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Entrevistas

2ª Edição do Summer Tribute - Festival de Bandas Tributo em Delães

A Freguesia de Delães em Vila Nova de Famalicão vai receber a 2ª Edição do Summer Tribute a 22 de Julho. No ano passado foi a prova de conceito com os “A Kind of Queen”, banda de tributo aos Queen, este ano a organização vai apostar em duas bandas, uma de tributo a Tina Turner “Simply the Best” e outra aos AC/DC “Da Cá”.

 

António Lobo, mentor deste festival faz questão que seja um evento de tributo a grandes bandas e artistas. Estima-se que seja o único em Portugal deste género.

 

A organização está a ser feita pela Strong Wolf’s, com os apoios da Junta de Freguesia de Delães e da Câmara Municipal de V. Nova de Famalicão.

 

AMMA: No ano passado, ainda com um pé à frente e outro atrás com o fim das restrições provocadas pela pandemia, o que o levou a avançar na mesma com este Festival de Tributo?

António Lobo:Eu já tinha em mente este projecto antes da pandemia. Já tinha tudo tratado com a banda, som, luz, etc. Após o alívio das restrições resolvi levar a acabo o que tinha pensado fazer. No entanto o valor monetário que arranjei não me permitiu trazer duas bandas tributo, sendo que avancei com os “A Kind of Queen” e com uma banda local de nome “Via Sacra” para fazer a primeira parte, embora não fossem de tributos, eram de temas originais e o DJ Paulo Rodrigues para o fecho da festa, também ele local todos com o seu nível de qualidade.

 

AMMA: Como correu a edição? Teve mais público que o que esperava?

AL: Correu muito bem apesar de nas últimas semanas ficar num “efeito sanduiche” visto haver duas festas religiosas, uma numa freguesia antes desta e outra depois, com bandas apelativas para o formato romaria e então fiquei com receio do fracasso, no entanto superou muito a espectativa. Veio gente de muitos sítios ver. Também o fiz de forma gratuita.

 

AMMA: E porquê Delães? Qual a razão de escolher esta freguesia?

AL: Delães porque é onde vivo, embora tenha nascido noutra Freguesia não a muitos quilómetros desta, no entanto Delães tem esta particularidade quando se vem para cá ficamos agarrados a ela. Não se explica, sente-se.

 

AMMA: Inspirou-se em algo feito no estrangeiro e trazer esta ideia para Portugal?

AL: Por acaso não só. Depois de uma pesquisa verifiquei que existe um evento enorme, como temos cá os festivais de verão, que é na Irlanda. Foi apenas porque passo muito dos meus fins-de-semana em bares de tributos para ver bandas que já não estão no activo ou que nunca tive a oportunidade de ver. No entanto vou a muitos concertos de grande formato, ainda recentemente Roger Waters, mas ao estar nestes bares pensei porque não um festival de Verão na minha terra mas só de tributos para que as pessoas possam assistir aos seus ídolos que outrora quando estiveram no activo não os puderam ver, como se passou comigo.

 

AMMA: Que apoios teve na edição passada? Foram renovados para este ano e também conta com novos?

AL: Os apoios foram poucos, o comércio local, alguns amigos com empresas, Junta de Freguesia, não mais do que isso. Já este ano entramos com outra maturidade. Comecei logo no com uma pesquisa de festas religiosas nas Freguesias e outros locais mais próximos para assim agendar esta data de 22 de Julho e não chocar com mais nada. Os apoios do ano passado renovaram, tipo o nosso comércio local que conto sempre com eles e eles comigo para feitos desta natureza, na nossa terra, os meus amigos com empresas renovaram mas ainda assim tive que me expandir para locais mais longínquos, recorrer novamente à Junta de Freguesia de Delães e desta vez a Câmara Municipal de V. Nova de Famalicão tem também um orçamento superior para este Summer Tribute.

 

AMMA: O recinto pelo que sabemos é diferente. Qual a razão da mudança?

AL: Sim, é diferente. Na primeira edição foi no campo de futebol da Freguesia. Tive que improvisar um palco dentro da bancada, tinha aqui uma série de questões tipo que as beatas estragaria a relva, entre outras situações. Então resolvi levar o evento para um local que merece, é um campo de festas onde já se faz mostras comunitárias, é usado quando vem cá o Circo e lá é mais centralizado e é mais à festival de Verão. Enquadra-se melhor no formato. Quando vamos a Vilar de Mouros ou outros são assim também em descampados.

 

AMMA: Como surge a ideia de criar o “Summer Tribute”, um Festival somente de Tributos?

AL: Como disse anteriormente, por exemplo eu nunca tive a oportunidade de ver a Tina Turner nem os AC/DC como o poderia fazer. Agora se fosse algum destes os meus artistas de sonho como realizaria isso? Daí pensei nas pessoas que assim podem-nos ver pelo menos neste formato.

 

AMMA: Em Portugal existem muitas bandas de tributo? São transversais aos mais diversos estilos musicais?

AL: Em Portugal existem mesmo muitas e muito boas, ainda assim escolho sempre dentro dos artistas que quero, as melhores. Por vezes existem várias bandas de tributo aos mesmos artistas em Portugal e faço questão de as ver actuar primeiro.

 

AMMA: Após o balanço do Festival desse ano, pensa expandir para algo maior, com mais bandas e mais dias de espectáculo?

AL: Bem, este ano tenho a certeza que ultrapassará e muito o número de pessoas que no ano passado, embora este ano tenha o custo modesto de 2€, no entanto ainda não estamos no formato dessa logística, mas é esse o caminho. Nesta Freguesia temos um campo noutro sítio enorme, com condições para esse formato. Quando ele estiver a esse nível a ideia do futuro do Summer Tribute é de ser de dois dias e várias bandas. Mas isso é quando chegar aos apoios que pretendo alcançar no futuro.

 

AMMA: Tem uma grande equipa a trabalhar nesta segunda edição do Festival Summer Tribute? No geral partilham a sua visão em termos e Festival para bandas de tributo? No terreno são cerca de quantos elementos no vosso staff?

AL: A equipa não é grande, até lhe digo que é pequena mas é eficaz. Somos quatro elementos, mas toda a gente competente e que partilham a mesma vontade que a minha. Desta vez não temos que montar palcos, casas de banho etc. são empresas que o fazem. Vamos oferecer a exploração da restauração. No momento nós os quatro somos a equipa perfeita. No entanto se no futuro for necessário, obviamente fazemos com mais. Como no final do Summer Tribute do ano passado comecei logo a tratar deste, isto vai com muito tempo para não andarmos a correr.

 

AMMA: Que palavras de convite quer deixar aos nossos leitores que também partilhem o gosto por ouvir bandas de tributo e mesmo aos que não têm esse hábito, mas que possam ser potenciais espectadores do Summer Tribute em Delães?

AL: Tenho a dizer-lhes que irão disfrutar de um grande espectáculo. As bandas são do melhor que temos em Portugal neste formato. Teremos muitas surpresas durante o evento (que ainda não posso desvendar), terão uma entrada simbólica de apenas 2€, como já referi anteriormente e a restauração será de preços muito acessíveis. Certamente irá ficar na memória deles. Se os que assistiram ao primeiro ainda falam nele, imagino agora com este. Aproveito para dizer que as próximas para 2024 já estão escolhidas, só para terem a noção de como trabalhamos. Serão sempre feitos para agradar a dois tipos de culturas musicais.

 

Texto: Pedro MF Mestre

Cartaz: Cedido por António Lobo

 

Rosa Vaz, comemora 35 anos de Arte e Cultura

A conceituada artista plástica Rosa Vaz, comemora os seus 35 anos de Arte e Cultura com uma exposição a inaugurar a 6 de Maio pelas 16h30 na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva em Braga, estando presente neste local até dia 27 de Maio. Depois seguem-se outros destinos onde estará patente, locais esses com muito significado para a artista.

 

Rosa Vaz é uma artista multidisciplinar. Desenvolve trabalhos em vários suportes e técnicas, onde podemos destacar pintura em tela, aguarela, pintura cerâmica de peças e de painéis de azulejo, ilustração, mais recentemente pintura têxtil e a joalharia. É também autora do livro de poesia “Pele de Lua” e já está a preparar a publicação de uma segunda obra literária. Para além desta área de criatividade, também é Promotora cultural, uma atividade que a tem acompanhado ao longo da vida, nomeadamente na organização de eventos culturais, em parceria com a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, Museu D. Diogo de Sousa , Museu dos Biscaínhos , Universidade Católica de Braga, essencialmente na promoção da cultura da Lusofonia, desde a organização dos Dia de África à promoção de escritores e cantores da lusofonia. Este é um aspeto muito interessante na vida da artista. A sua obra é muito divulgada no Norte do país, em especial, em Braga, onde reside e tem o seu atelier. O seu trabalho também é conhecido noutros destinos tanto em Portugal como no estrangeiro, como por exemplo em Espanha, EUA, Canadá, Lituânia, Angola, etc.

Está representada em várias instituições e tem trabalhos em conjunto com outros artistas muito ligados à lusofonia.

 

A sua história de vida é feita de desafios. Nasceu em Malange, Angola, onde viveu aí a sua infância. Filha de mãe angolana do Huambo e pai português de Monção, no meio da guerra civil vem viver para o Norte de Portugal, a Monção. A viagem foi decisiva para a sua arte, pois os azuis que utiliza nas suas obras têm a ver com o azul do mar que foram sua companhia ao longo da viagem de barco, entre Angola e Portugal. Uma viagem sem retorno, que marcou a sua vida para sempre, pois para lá do azul do mar ficaria o seu passado, a sua essência, África. O mar tornou-se assim um grande aliado, da sua vida, um comparsa de silêncios e saudades, um companheiro de criatividade, ao longo da sua criação. Assim, passear perto do mar no Norte do País, tornou-se um hábito, uma terapia, onde encontra a paz e tranquilidade para depois desenvolver a sua arte.

 

A sua obra também tem muito a ver com cores fortes africanas e gosta muito de ilustrar a mulher angolana, a sua importância e papel, nos laços familiares.

 

Esta exposição comemorativa dos seus 35 anos de carreira não só tem obras que ilustram a evolução da artista, como também peças documentais e de recordação do percurso ao longo destes anos de actividade.

 

Já mostrámos aos nossos leitores no passado a carreira e a artista em si. Hoje vamos falar com ela para nos dar uma retrospectiva destes 35 anos de carreira artística assim como outras curiosidades da sua actualidade.

 

AMMA: 35 anos de carreira reflectem um percurso em várias valências, inspirações e novas experiências. Como retrata este caminho?

Rosa Vaz: Este caminho tem sido calcorreado sempre com muita criatividade e desafios que se me têm colocado, ou percursos que escolho, no sentido de encontrar novas formas de comunicação criativa,

 

AMMA: É mais fácil ser artista plástica ou curadora, sendo ambas arte?

RV: Na minha perspetiva para quem é artista e gosta da comunicação, organização, ser curador de eventos culturais é só mais um aspeto, uma oportunidade de comunicar com os outros. No meu caso, ser artista é a base da minha existência, é essa estrutura que me permite conhecer/identificar aspetos Culturais nos outros e que valham ser mostrados, colocados à disposição do público.

 

AMMA: São mais desafiantes as exposições colectivas ou individuais?

RV: São universos diferentes. Nas Exposições individuais, o artista mostra só o seu trabalho, o público tem só o universo desse artista para observar, entender, apreciar ou não; no caso das Coletivas, o artista é mais um elemento de uma construção gigante sobre a comunicação e, o público estará muito mais disperso na análise das linguagens dos artistas.

 

AMMA: A poesia, através do seu livro “Pele de Lua” vem complementar o trabalho artístico de Rosa Vaz? Já vem uma segunda obra a caminho, é poesia ou prosa? Tem data prevista para a lançar?

RV: A poesia faz parte da minha essência, é uma forma de ‘’pintar’’ com palavras, assim como, muitas vezes as obras pictóricas, são poemas pintados, coloridos. O segundo livro também é poesia e deverá ser apresentado em Setembro.

 

AMMA: Mais recentemente também tem desenvolvido trabalhos em pintura cerâmica, pintura têxtil e joalharia. Como surgiram estes novos desafios? Têm tido muita procura?

RV: Faz parte da essência dos artistas caminhar em vária formas de comunicação artística, é inerente à alma criativa; no meu caso, é também um desafio que coloco a mim mesma, como mais um patamar. A joalharia nasceu como um desafio, e como homenagem à terra do meu pai, a minha terra adotiva, Monção, e numa homenagem também ao vinho alvarinho, à vinha, como planta, como representação dessa terra e suas gentes. Sim , estou contente com a procura das minhas obras. Quem gosta de arte, procura sempre ter várias representações da expressividade artística do artista.

 

AMMA: Como professora que maiores alegrias lhe dão os seus alunos? Acabam por ser inspiradores para o seu trabalho de docente e artista?

RV: Como professora, sinto-me completamente realizada, feliz por sentir que ao fim de trinta e tal anos de serviço, ajudei a construir muitas vidas, e os alunos ao longo dos anos e até em adultos, procuram-me na escola, vão dar-me um abraço e agradecer os conselhos, o carinho, a paciência. Sabe bem receber um desenho deles, um abraço de saudades, sabe bem o reconhecimento do investimento na humanização do ensino e da pedagogia e todos estes momentos são intrínsecos á minha forma de estar/ser e a Arte é sempre uma componente muito forte neste percurso de docente, onde o maior objetivo é sempre que o ensino, a escola produza seres humanos felizes, autoconfiantes e com muito respeito e amor pela vida.

 

AMMA: Que novos desafios tem para os próximos tempos que queira revelar?

RV: O meu próximo desafio será escrever um livro de histórias infantis e continuar com o mais recente desafio, desenhar joias.

 

AMMA: Que mensagem de artista plástica com 35 anos de carreira gostava de deixar aos jovens que se estão a iniciar na arte ou ainda estão nos primeiros anos? Como devem reagir às adversidades?

RV: Gostaria de lhes dizer que NUNCA desistam de criar, dos seus sonhos. Sejam persistentes, organizados e trabalhadores. Tracem objetivos, planifiquem a curto e médio prazo, e, sobretudo amem o que fizerem o que criarem. Sejam críticos do vosso trabalho, registem dados, analisem e procurem percursos com coragem e persistência.

 

Algumas obras da artista incluindo a capa do seu livro Pele de Lua:

Texto: Pedro MF Mestre

Fotos e materiais: Cedidos por Rosa Vaz

 

“Madre Paula – Rainha na Sombra” novo romance de Ricardo Costa Correia

Ricardo Costa Correia lançou o seu quinto romance “Madre Paula - Rainha na Sombra” no passado dia 18 de Novembro no Mosteiro de São Dinis e de São Bernardo em Odivelas. O autor vai estar numa nova sessão de apresentação, desta vez a Norte em São Mamede de Infesta a 7 de dezembro na Taberna Medieval "O Caldeirão", num evento a decorrer entre as 19h00 e as 23h30.

 

Este escritor tem como caracterítisca criar a ficção à volta de figuras históricas conhecidas. Desta vez tudo decorre no século XVIII.

 

Ricardo Costa Correia lançou o seu primeiro romance em 2017 “O segredo dos Bragança” com a história à volta do reinado de D. Carlos, livro esse cujas vendas correram conforme as suas expectativas.

 

No ano seguinte inicia a trilogia para um enredo histórico mais longo com o título “O regresso do desejado” à volta da vida de D. Sebastião após a batalha de Alcácer Quibir com a ideia da expansão do reino pela Peninsula Ibérica em vez de voltar ao norte de África. Esta trilogia despertou o interesse de um produtor norte-americano logo após a Feira do Livro de Lisboa desse ano. Contudo com o surgir da pandemia ficou temporariamente suspenso, pretendendo-se que retome para breve.

 

Quanto ao novo romance “Madre Paula – Rainha na Sombra” falamos de Paula Teresa da Silva e Almeida que ingressa na vida religiosa nas freiras do Mosteiro de Odivelas.

O seu pai é ourives de profissão e ambiciona melhorar a vida e de suas filhas pelo facto de ser fornecedor da Casa Real. Contudo Paula não tem vocação para a vida religiosa, ao contrário da sua irmã mais velha. Paula é uma bela jovem que não passa despercebida ao rei de Portugal, dom João V que a toma por amante. A raínha apercebe-se e consegue conquistar a sua inimizade, contudo o seu amor pelo rei aumenta. Paula é manipulada pelos inquisidores lisboetas que querem retomar o poder que tinham antes da Restauração de 1640 e esta jovem é o instrumento perfeito para espiar a corte e o rei.

 

Madre Paula entre amante do rei, mãe de um filho bastardo Inquisidor Geral de Portugal pouco tempo antes do Terramoto de 1755 e religiosa no Mosteiro de Odivelas, é uma das mais influentes mulheres do seu tempo.

 

Fica a questão: Quem foi na realidade Madre Paula?

AMMA: Um quinto livro em cinco anos, com um enredo à volta de figuras históricas, entre a corte, nobreza, clero e individualidades importantes da nossa história, é uma paixão muito ambiciosa? Quanto tempo demora materializar uma obra deste género?

 

Ricardo Costa Correia: Comecei a escrever o que viria a ser “O Segredo dos Bragança” cerca de 2012 ou 2013. Tinha feito uma extensa pesquisa sobre o Portugal da viragem do século XIX para XX e pensei que haveriam muitos pontos de interesse para explorar. Depois, com a dificuldade de entregar o manuscrito a uma editora, mas ainda assim explorando o quanto gostava da investigação, resolvi que haveria de dar um pulo mais atrás no tempo. Em finais de 2014 começou por isso a nascer a história ao redor de D. Sebastião, pensando desde sempre explorar um caminho alternativo à História de Portugal. Apenas publicaria “O Segredo dos Bragança” em 2017 e “O Regresso do Desejado” a partir de 2018. Claro que muitas vezes as pesquisas para uns assuntos nos levam a outros e acabam por nos envolver. Desde 2019 que faço Recriação Histórica e pratiquei Esgrima Histórica com a Companhia Livre e a Academia de Esgrima Histórica. Mas quase todos os meus livros demoram alguns anos a ser preparados, pois gosto de investigar para poder depois passar ao papel com ideia que sejam bem enraizadas. Este novo “Madre Paula, Rainha na Sombra” é também o resultado disso. Comecei a escrevê-lo em 2021, mas já desde 2020 que pesquisava e aprofundava o conhecimento sobre o Mosteiro de Odivelas e sobre o reinado de D. João V. Não tenho um prazo específico, mas penso que um livro deste género, entre a pesquisa e a escrita deverá tardar entre 2 a 3 anos.

 

AMMA: Para escrever um romance nesta linha de pensamento, estuda muito o perfil das personagens históricas e o contexto geopolitico para depois as entrelaçar com a ficção?

 

RCC: Sem dúvida. Não conseguiria recriar uma personagem histórica sem a conhecer profundamente. Por brincadeira digo muitas vezes que às vezes chego a sonhar com essas personagens. Há sempre nos meus livros personagens verdadeiros, que existiram no seu tempo e a esses não consigo subverter. Deixo que eles sejam quem são, que desempenhem as tarefas que historicamente deveriam ter. Depois tenho as personagens da ficção que me acompanham e que são criadas por mim, com a ideia concreta do que eram as pessoas no período histórico de que falo em cada livro. Por vezes individuais, outras vezes caindo mais nos estereótipos ou mesmo como personagens coletivas. Todos os contextos e em especial o geopolítico são fundamentais. Recordo por exemplo o episódio do mapa cor de rosa, n’”O Segredo dos Bragança”, Alcácer-Quibir n’”O Regresso do Desejado” e mesmo neste “Madre Paula, Rainha na Sombra” não foram esquecidas as feridas com ingleses e holandeses em Angola e em Pernambuco, e também o Terramoto de 1755, que Paula terá vivido em pessoa, sofrendo com a devastação que o mesmo provocou a Odivelas.

AMMA: Com o facto de usar a corte e acontecimentos reais com a trama imaginária considera um desafio ou alguma ousadia no sentido positivo?

 

RCC: Escrever é por si um desafio. Posso contar a História de Portugal, mas quando o faço, há sempre uma parte do meu entusiasmo e da minha experiência que transparecem para as páginas de um livro. Não o considero uma ousadia, visto que estou a falar de personagens que já desapareceram há mais de um século, mas espero que para quem leia possa sentir-se pelo menos tentado a ir conhecer mais sobre as personagens históricas de quem falo.

 

AMMA: As suas obras centram-se basicamente em personagens dos finais da 2ª dinastia e da 4ª. Tem mais facilidade em conhecer bem o perfil real dos protagonistas para desenvolver os romances?

 

RCC: É engraçado porque calhou. Confesso que em termos históricos há períodos concretos que me fascinam. Já escrevi sobre um desses períodos que é o início do Partido Republicano e a transição dos séculos XIX para XX. Depois o período que chamamos de Filipino, entre 1580 e 1640 é outro deles. Falei sobre esse período, mas não o abordei do ponto de vista do romance, mas sim de uma ficção, contando uma história alternativa. Talvez algum dia lá volte, quem sabe após uma nova visita ao Arquivo Geral de Simancas em Madrid ou ao Arquivo das Indias em Sevilha. D. João V é um rei de uma fase transitória na 4ª dinastia: ainda se sentem os tumultos da Restauração de 1640, mas ainda não chegámos à estabilidade completa. E o Rei-Sol Português foi quanto a mim bastante mal caracterizado pela historiografia, que tem ainda muito a descobrir sobre este período. Os perfis dos monarcas que governaram nestes períodos sobre os quais escrevi foram muito interessantes de caracterizar, mas ainda há muitos mais. E muito mais para descobrir.

 

AMMA: Como surge “Madre Paula”? Qual foi a fonte de inspiração para este trabalho?

 

RCC: “Madre Paula” surge precisamente de uma vontade de trazer alguma justiça a uma personagem injustamente esquecida pela história. A minha existência “cruzou-se” com o Mosteiro de Odivelas em 2015 e desde aí que o fascínio me puxou a descobrir muito mais. Foram vários os autores que sempre o trataram como uma espécie de prostíbulo ou bordel real e é impossível não falarmos de Odivelas sem nos passarem inúmeras anedotas e ditos jocosos pela cabeça. Em 2020, os meus editores sugeriram que buscasse uma personagem feminina para variar um pouco nas minhas narrativas e experimentar algum caminho. Falar sobre rainhas é interessante, mas supõe um desafio acrescido pois foram sempre tratadas nas sombras do rei que serviram. Em conversa com a minha esposa, que é de Odivelas, e entre as dúvidas sobre recuar ao tempo do patrono D. Dinis ou ficar numa época mais recente, Madre Paula surgiu como uma agradável surpresa. Era uma personagem ligada profundamente ao mosteiro de Odivelas e à história local, ao mesmo tempo que tinha sido muito injustiçada pela História. Daí ao início da descoberta foi um pulo, e seguiram-se meses de investigação, conseguindo muito pouco, mas o suficiente para começar a montar uma história.

 

AMMA: O facto de Paula ser amante do Rei e isso despoletar automaticamente a inimizade da parte da raínha, torna o fio condutor de toda a história? Ou seja o romance roda à volta deste trio?

 

RCC: Se o fosse já contar, os leitores perderiam a vontade de descobrir este livro. A rainha Maria Ana de Áustria tem uma influência e uma inimizade profunda pela rival, como o teve pelas outras amantes de D. João V. Só que o rei nunca deu a nenhuma delas o que deu a Madre Paula. E a rainha foi de alguma forma “obrigada” a aceitar a sua existência, pois Paula tinha um espírito e uma ambição bastante vincados e fortes. O romance ronda sempre à volta de Paula, que é a sua personagem principal. Acaba por se estender além da morte de D. João V, pois Paula ainda o sobreviveu por mais 16 anos, em que perdeu algum do seu fulgor, mas continuou a ter alguma presença na corte de D. José I, o rei que enfrentaria os desastrosos resultados do terramoto de 1755. Não esquecendo a presença de Sebastião José de Carvalho e Melo, aqui ainda retratado como jovem fidalgo e embaixador de Portugal em Inglaterra e na Áustria.

 

AMMA: Como vai buscar a figura do Inquisidor Geral de Portugal e o seu papel no romance?

 

RCC: Um dos meus locais preferidos de investigação são os Tomos da Inquisição Portuguesa. Por lá consegue-se perceber muito da sociedade portuguesa entre os anos de vigência da instituição. Durante os reinados de D. João V e de D. José I, a Inquisição Portuguesa é profundamente reformada e nem a propósito, o filho bastardo de D. João V com Paula, também chamado José, um dos meninos de Palhavã, é eleito Inquisidor Geral do Reino. Sendo a sua mãe uma religiosa e o seu pai o rei de Portugal, não é difícil perceber que as intrigas à sua volta seriam bastante “sumarentas” para qualquer livro que se referisse a este período.

 

AMMA: Sendo “Madre Paula” religiosa, como consegue gerir a sua relação com o filho, o bastardo do rei?

 

RCC: Espero que os leitores descubram, mas há algumas coisas bastante interessantes. A correspondência entre os dois não é vasta, mas há uma linha de texto muito curiosa. À pergunta de Paula sobre se o seu filho não teria consideração para com a própria mãe, o filho responde-lhe que o bastardo de um rei não tem mãe mas apenas pai, pois é simplesmente um “filho da mãe”. Talvez até tenha sido aqui forjada essa expressão... mas isso, deixo aos estudiosos e investigadores exclusivos deste período para que o descubram.

 

AMMA: Já tem novos trabalhos em preparação? Pode desvendar um pouco o que está para vir a seguir?

 

RCC: Agora, há que relaxar por um pouco e levar o livro “Madre Paula, rainha na sombra” ao maior número possível de leitores por todo o país e se possível a toda a diáspora no estrangeiro através da venda online. Contudo, há novas histórias em preparação e novas aventuras a caminho. Não sei ainda onde a imaginação irá parar, mas há alguns períodos da nossa História, uns mais recentes e outros um pouco mais antigos que eu gostava de explorar. Talvez daqui por algum tempo, se essa pergunta for novamente feita, eu já possa ter uma resposta mais segura para ela.

 

Texto: Pedro MF Mestre

Fotos e Capa: Ricardo Costa Correia e Ego Editora

 

"Amar a Vida como ela é" de Sofia Caessa


Sofia Caessa é uma escritora e contadora de histórias para crianças com muito sucesso,  talento e sempre disponível para abraçar novos desafios.

Já editou dois livros infantis tanto com a versão em português como também com tradução para a língua inglesa. É também mentora do projecto “Contos por carta” que proporcionou às crianças durante a pandemia, que devido ao confinamento não podiam ir às sessões da autora para ouvir contar as suas histórias. Sofia Caessa criou os “Contos por carta", uma ideia inovadora de contar histórias infantis que mesmo após os confinamentos provocados pela pandemia continua a ser um sucesso e é um modelo para continuar. Em vez de usar o tradicional livro, as crianças recebem na sua caixa do correio os capítulos através de uma carta, durante várias semanas. É interessante os mais novos receberem uma carta para si com um capítulo de um livro, que no final dos envios têm a história completa. Neste projecto dos “Contos por Carta”, Sofia Caessa envia as cartas para qualquer país da União Europeia e tem também finalizada uma versão adaptada ao ambiente escolar que conta com a participação dos educadores.

Com o conflito na Ucrânia, a escritora fez uma carta específica para crianças ucranianas hospitalizadas ou mesmo a necessitar de um carinho especial. Essa edição teve tradução para ucraniano e foi difundida de forma a chegar ao maior número de crianças possível.

Sofia Caessa tem tido uma vida conturbada em termos de saúde, lidou com dois cancros da mama e um dos seus filhos também teve leucemia.

Mesmo com estas rasteiras pregadas pela vida tanto na primeira como terceira pessoa (“eu” e “ele”) Sofia não baixa a guarda e com muita coragem e mesmo com os seus tratamentos e os do seu filho, continua a escrever, a contar histórias para crianças e a contribuir para as tornar mais felizes.

Desta vez o livro "Amar a Vida como ela é" não é para a mesma audiência das obras anteriores. Aqui ela expõe a sua vivência dos episódios clínicos e a sua fragilidade em termos de saúde, o seu testemunho do que foi passar por eles e como superou e também "Amar a Vida como ela é".

AMMA: Habituada a escrever para crianças, fazer este novo trabalho literário foi um grande desafio?

Sofia Caessa: Antes de escrever para o público infantil eu escrevia artigos para revistas. E, desde sempre, escrevi prosa e poesia como forma de lidar com as minhas emoções e os meus desafios. 

AMMA: Escrever sobre si, principalmente testemunhar a vivência dos dois cancros que teve, como também a leucemia do seu filho não deve ser fácil. Como teve energia para materializar este livro? Houve muitas lágrimas a correr pelo seu rosto ao longo do projecto?

SC: Durante o processo de tratamento do meu filho, agarrei-me à escrita como uma boia de salvação. Acreditei e ainda acredito que partilhar a minha experiência e a forma como a encaro poderia trazer algo de bom para os outros. Escrever sobre esse sofrimento e deixar as lágrimas pintarem as folhas foi  uma maneira de enfrentar as minhas emoções e não deixar que as suprimisse.

AMMA: Este livro foi espontâneo, ou partiu de um desafio de alguém?

SC: Os textos foram surgindo espontâneamente. A certa altura senti a necessidade de partilhar esses textos num blogue. Depois de perceber o impacto positivo que estavam a ter nas pessoas decidi abordar uma editora com uma proposta editorial. Após aceitação dessa proposta estive cerca de dois anos a escrever este livro.

AMMA: A obra está mais direcionada para pessoas que estejam a passar por uma situação de cancro, seus familiares, ou foi estruturada para ser lida por todos?

SC: Apesar de ter um ênfase no cancro, pela experiência pessoal que tive com essa doença, acredito que a mensagem poderá ser abraçada por qualquer pessoa que esteja a passar por um obstáculo ou desafio, quer seja a nível de questões de saúde ou de outra natureza.

AMMA: Que mensagem chave quer passar aos seus leitores com esta obra?

SC: Quero passar a mensagem que o amor e a aceitação incondicional são essenciais na vida. Não senti revolta pelo meu cancro nem pelo cancro do meu filho. Aceitei a realidade tal como ela me foi oferecida. E amei o quanto pude amar: o meu corpo doente, o corpo doente do meu filho, a minha vida que tinha vivido até ao momento, o milagre de ser mãe do meu filho... Senti muita gratidão pela minha vida e pelo amor que tinha por tudo e todos na minha vida, mesmo sabendo que a minha morte ou a morte do meu filho eram uma possibilidade real. 

AMMA: Acha que este tema não é muito falado em Portugal? Será por reserva à vida privada das pessoas que passam por cancro, para não relembrar o sofrimento, ou não há interesse em elaborar e publicar obras literárias deste género?

SC: Sinto que nos últimos tempos têm surgido mais obras sobre cancro. Há mais testemunhos sobre quem passou por esta doença. Também há, infelizmente, um número avassalador de casos de doenças oncológicas por ano. Mesmo assim, ainda é uma doença e um tema que causa sofrimento, difícil de abordar e discutir. Ainda não se diz a palavra "cancro" com a naturalidade que se diz "diabetes", por exemplo.  

AMMA: Esteve presente na Feira do Livro de Lisboa no dia 3 de setembro pelas 16h00 para o lançamento do livro na Editora Alma dos Livros e com a respectiva sessão de autógrafos. Para si foi um privilégio fazer o lançamento neste evento?

SC: Para mim, poder fazer o lançamento na Feira do Livro é um sonho que nem sequer tinha sonhado por ser tão grandioso! 

AMMA: Que mensagem quer passar para os seus leitores, de forma a enquadrá-los na obra e também aos que estão a passar por situações parecidas com as suas?

SC: O meu desejo com esta obra é ajudar quem esteja a passar por uma situação de sofrimento a encará-la de outra forma, a ver essa situação de uma outra perspetiva. Eu sei o que é viver com a sombra do morte a espreitar por cima do ombro mas isso nunca me impediu de viver a minha vida, de amar a minha vida e de correr riscos. A vida é para ser vivida na sua plenitude, aceitando-a pela sua imensa fragilidade intrínseca. 

Texto: Pedro MF Mestre

Imagem e foto cedida por Sofia Caessa

Lucky Duckies em 35 anos de carreira, a retrospectiva.

Os LUCKY DUCKIES são uma banda revivalista de “vintage swing and rock’n’roll”, fundada pelo seu vocalista Marco António em 1987. Comemora este ano 35 anos de existência com muita animação musical ao longo dos mais variados locais e palcos por onde têm passado.

 

Marco António oriundo da Póvoa de Santa Iria, perto de Lisboa, iniciou a sua formação musical aos 14 anos com a música evangélica, tanto solfejo como o órgão eléctrico. A voz não era o seu forte (pensava ele) sendo esse o motivo pelo qual abandonou o coro “gospel” que frequentava.

 

Mais tarde descobre os seus talentos e a voz estava no topo.

 

Os LUCKY DUCKIES inicialmente eram os “Promúsica”, entretanto ao fim de um ano de existência mudaram para o nome que ainda hoje prevalece.

Actuaram em festas privadas, eventos, hotéis, locais de glamour, dos pequenos palcos passaram para os grandes e hoje são um grande sucesso a nível nacional e internacional com muitas actuações e trabalhos gravados.

 

Os temas que tocam, entre originais e covers com arranjos da sua autoria fazem o seu público vibrar e reviver esses tempos áureos do Séc. XX.

Para reviver, não falamos somente de música, mas também de um cenário de palco composto por mobiliário que enquadra a época que se está a reviver assim como o guarda-roupa dos artistas. A “imagem de marca” de Marco António é sem dúvida a sua poupa bem definida.

 

Actualmente, e a título de núcleo duro, a banda tem nas vozes principais Marco António e Cláudia Faria e é composta por piano (João Carreira), bateria (Diogo Melo de Carvalho), guitarra (João Santos) e contrabaixo (Sérgio Fiúza). Por vezes para alguns eventos maiores e especiais adicionam saxofone (Kajó Soares), uma segunda guitarra (Pedro Soares) e percussão (Francisco Fernandes). Os músicos também colaboram nos coros.

 

Embora Marco António seja o seu líder e mentor, ele gosta de tratar a banda como um todo e todos tomam parte activa nos arranjos musicais e novos temas. Cláudia Faria também participa nessas tarefas.

 

Cláudia Faria juntou-se mais tarde aos LUCKY DUCKIES já no ano de 1998. Ela também tem formação musical. Iniciou-se em 1980 através da guitarra espanhola de cordas de nylon que o seu avô lhe ofereceu. Também participou, em termos musicais, em eventos na Igreja do Campo Grande em Lisboa.  A sua família que também está ligada à produção de espectáculos, portanto nessa altura já “jogava em casa”. A sua primeira função na banda foi liderar as “back-vocals”, mais tarde passa a fazer par com Marco António na frente palco na voz e no pé de dança.

 

Voltando ao Marco Antonio, que para além da música partilha o seu tempo noutras artes, nomeadamente a pintura. Desde cedo que a professora primária notou este seu talento e alertou a sua mãe para que não ficasse escondido incentivando-o a ir para Belas-Artes. Além de músico ele também é pintor.

 

Nestes tempos que vivemos recentemente de confinamento, Marco António como não podia pisar os palcos com a banda, recriou um novo modelo de negócio, satisfazendo as suas encomendas de retratos em pastel.

 

À conversa com Marco António e Cláudia Faria:

 

AMMA: Quando iniciou a formação musical na Igreja Evangélica tinha alguma ideia que iria ter este sucesso com a banda, ainda mais na voz, algo que não gostava muito dela?

Marco António:Não imaginava, nem estava para aí virado! Pensava já que queria ser advogado. A minha voz na adolescência encontrava-se em fase de transição de soprano para tenor. Hoje sou barítono. De forma que as partes de harmonia que me eram dadas a executar eram muito altas e eu quase me esganiçava. Achava que não tinha assim tanto talento. Não tinha era a parte adequada às minhas cordas vocais. Percebi isso mais tarde.

 

AMMA: Embora tenha deixado de participar na banda e no coro “Gospel”, nunca deixou a música de lado?

MA: Nunca, pois ia cantarolando e tocando lá por casa da minha mãezinha que me estava sempre a elogiar. Mas mãe é mãe! E ela também cantava muito bem, a minha saudosa querida “Ildinha” que Deus já lá tem.

 

AMMA: A Universidade marcou-o muito na música através das actuações nas famosas festas das faculdades tanto em Lisboa, como noutras cidades com tradição académica. Já era revivalista nessa altura?

MA: Sim, sempre fui revivalista ab origine! E claro, com um aspeto vintage dava nas vistas tanto para alunos como para professores. Entrei na Faculdade Direito de Lisboa em 1986, e em 1988 dava lá um meu primeiro concerto universitário que foi um sucesso. Tinha alguns professores a assistir ao concerto e curiosamente dois deles são atualmente altas figuras do Estado: o nosso Presidente da República Professor-Doutor Marcelo Rebelo de Sousa e o nosso Primeiro Ministro Dr. António Costa, assistente do referido professor catedrático de Ciências Políticas e Direito Constitucional.

 

AMMA: O grande senhor da TV, como também é conhecido Júlio Isidro chamou-o ao seu programa de então. Como foi essa participação? Estava muito nervoso?

MA: Eu já tinha feito algumas atuações em TV. Mas foi o convite para integrar o programa do Júlio “Turno da Noite” nos anos 90, num episódio em tributo a Elvis Presley que me começou a dar alguma visibilidade. Pois o Júlio, apesar de mais jovem já eram um mito, já era considerado um dos melhores e mais inovadores comunicadores sem perder a classe, pois também ele fora inspirado noutras mestres como o Fernando Pessa e o Artur Agostinho. Criou-se uma amizade que cresceu paulatinamente graças a uma admiração e respeito mútuos.

 

AMMA:  A experiência que teve na Orquestra Ligeira do Exército da Carregueira com o Maestro Sargento-Mor Pinto de Sá, quando cumpriu o serviço militar, abriu novas portas e novos projectos em mente?

MA: Sem dúvida! Fui convidado para ser “crooner” da Big Band e cantar clássicos da música americana dos Anos 30, 40 e 50. Foi mágico e deu-me alguma bagagem.

 

AMMA: Das festas particulares há umas curiosas passadas nos anos 90. Dois casamentos relacionados com dois conhecidos  e sucedidos produtores de espetáculos.  Como foi?

MA: Ah sim! O primeiro foi sermos escolhidos para animar o casamento do Álvaro Covões da Everything Is New, o homem do NOS Alive. O segundo foi o Luís Montez, que na altura era seu sócio e nos contratou para animarmos o casamento do seu cunhado Bruno Cavaco Silva, filho do então Primeiro-Ministro e que mais tarde viria a ser também nosso Presidente da República.

 

AMMA: Vamos agora a uma questão mais delicada. Numa ocasião também cantou “à capela” no funeral de um amigo. Como se consegue cantar neste ambiente envolvido num misto de emoções?

MA: Não é fácil, pois tinha um nó na garganta, mas lá consegui cantar afinado. Foi no funeral do meu querido amigo Alberto da Ponte, antigo CEO da Central de Cervejas (Sagres) e antigo Presidente da RTP.

 

AMMA: Um dos temas curiosos que compuseram, foi o Hino da Cerveja. Este trabalho partiu dos LUCKY DUCKIES ou foi alguém que vos desafiou a fazê-lo?

MA: Foi precisamente o Dr. Alberto da Ponte, ainda em vida, que, quando era Grão Mestre da Confraria da Cerveja, me entronizou como Confrade de Honra.

 

AMMA: Uma pergunta indiscreta… quando e como surge a popa e é definida esta sua imagem de marca?

MA: Desde 1977, quando vi as notícias da morte do King Elvis, que me apercebi que era um penteado que ficava bem em qualquer homem que tivesse cabelo. Pois via as fotos a preto-e-branco do meu pai e dos meus tios e reparava que eles também usaram nos anos 50 e 60 estes cortes de cabelo e que também eles pareciam galãs americanos de Hollywood. Era esse o aspeto que queria para mim.

 

AMMA: A Cláudia Faria aparece com a sua voz na banda em 1998. Nessa altura tiveram que fazer arranjos em muitos temas para contemplar uma voz feminina principal?

MA: Sim. Entrou paulatinamente e foi cantando temas lindos, mas mais adequados a serem interpretados por uma mulher, não só pela temática das canções como pela tessitura vocal adequada mais aguda e delicada de uma voz feminina. Por exemplo, introduzi logo na altura o tema “Que Será Será” da Doris Day e que eu gostava mas não cantava.

 

AMMA: Para a Cláudia foi um desafio que esperava ou para si foi uma surpresa quando passa das “back-vocals” para voz feminina principal da banda?

Cláudia Faria: Foi um misto das duas coisas. Adoro fazer arranjos de harmonias como backing vocal, mas confesso que me dá enorme prazer também ter interpretações enquanto lead singer. O Marco já me ia convidando, mas confesso que não tinha na época a mesma descontração que ele tinha. Acho que levei algum tempinho a amadurecer o domínio do palco perante multidões. Hoje estou completamente à vontade, aliás fico mais nervosa em ambientes mais intimistas com menos público.

 

AMMA: A sua formação musical, em termos instrumentais passa pela guitarra. Actualmente na banda costuma tocar num ou outro tema, ou prefere entregar a sua voz e contribuir nos arranjos musicais?

CF: Sinto-me mais confortável a cantar sem ter de me preocupar com a execução da guitarra. Mas por vezes têm vindo situações que se adequam a que eu o faça. E há registos em rádio ao vivo e programas de TV.

 

AMMA: A formação e a presença que teve na Igreja do Campo Grande foi determinante para a sua carreira?

CF: Sim, confesso que comecei lá a tocar após ter andado numa escola de música na Av. João XXI. Mas foi com o grupo de jovens que me entusiasmei mais e a debitar acordes para auto-acompanhamento.

 

AMMA: Nessa altura, a sua função era mais a voz ou o instrumento musical?

CF: Eram as duas coisas simultaneamente.

 

AMMA: Para se definir um alinhamento musical para um espectáculo o que conta mais?

MA: O tipo de evento que vamos fazer e o tipo de público que presumimos que vai aparecer. Mas não saímos das balizas do nosso conceito vintage!

AMMA: Os LUCKY DUCKIES já actuaram nos mais variados palcos pelo mundo fora, Europa, América, Médio Oriente, Oriente e também nos oceanos. Como é a vida de uma banda musical como esta a animar as noites a bordo de um cruzeiro? É um palco e um público muito diferente em relação a um espectáculo em terra?

MA: É sobretudo um público especial de variadas nações e que gosta muito de viajar, que é romântico e que aprecia muito o nosso repertório vintage. É uma batalha ganha!

 

AMMA: Têm curiosidades que queiram partilhar sobre as vossas experiências internacionais?

MA: São tantos os episódios! Lembro-me de termos actuado num Festival de Nostalgia na Sardegna, Itália, organizado no Romazzino pela Starwood Hotels Luxury Collection e de lá estar na plateia o Luís Figo com a esposa e o dono da COFINA (em mesas distintas) e só no dia seguinte descobriram que éramos portugueses. Atenção que deste festival éramos os mais desconhecidos do cartaz, pois faziam parte os Simply Red, Zucchero, Boney-M. Nesse concerto conheci o Sr. Timur Kuanishev, grande magnata do Cazaquistão que nos convidou a actuar numa megafesta do seu aniversário em Almaty, capital económica do seu país. Nessa festa estavam imensas estrelas de Hollywood na plateia a aplaudir-nos e percebemos o potencial que este projeto tinha para a internacionalização.

 

AMMA: Já que falamos de concertos, parece que já percorreram metade de Portugal continental a tocar. O convite para tocar na Concentração de Motos de Faro em 2010 onde tiveram um público de 40.000 pessoas, o que diz dizer isso para vossa carreira naquela altura?

MA: Foi realmente o primeiro megaconcerto que tivemos. Confesso que tinha algum nervosismo. Mas antes de entrar em palco, fiz uma oração ao Senhor, e claro tranquilizei-me e pensei para os meus botões: “calma Marco, eles estão alí amigavelmente para ouvir os LUCKY DUCKIES e são naturalmente aficionados em Rock’n’Roll, só tens é de interagir como amigo seles e ter algum sentido de humor!” E correu muito bem! Tenho uma grande gratidão com o Motoclube de Faro pela oportunidade que nos deu confiando-nos aquele enorme Palco Principal!

 

AMMA: Quando actuaram para personalidades estrangeiras qual foi a mais curiosa? Barac Obama? Ou têm mais alguma situação que também tenha sido curiosa? De onde partiu este convite?

MA: Sim, foi a convite dos serviços da Embaixada dos Estados Unidos da América a quando da Cimeira da NATO em Lisboa em 2010 para atuarmos para a Comitiva do Presidente Barac Obama no Lisbon Marriott Hotel. O Presidente e a Sra. Vice-Presidente Hillary Clinton ainda nos viram por uns minutos e acenaram-nos com um cumprimento gestual simpático. Foi-nos pedido na altura o maior sigilo e avisaram-nos que todos os nossos telefones estavam sobe escuta dos serviços secretos americanos naquele período. Pelo menos avisam-nos! Já passaram 12 anos hoje já não tem problema falarmos desse episódio. Para entrarmos revistaram-nos a todos meticulosamente e ao material musical também.

 

AMMA: Falando da vossa discografia, somente em 2010 decidiram editar um CD próprio com acordo com a FNAC para presença física em loja. Nunca tinham sentido essa necessidade antes? Era algo que não fazia parte da vossa ambição, ou houve algum tipo de entrave?

MA: Inicialmente não. Pois como nos dedicávamos a “pregar o evangelho do Rock’n’Roll”, e já havia tantos elementos discográficos da “Bíblia Sagrada do Rock”, achávamos que gravar covers não acrescentaria nada de novo. Mas os pedidos de fãs e sugestões de comunicadores de TV levaram-me a repensar na situação e a decidir gravar em 2010 o álbum “Glamour & Nostalgia-Part One”, sucedendo-se o “Part Two”, o “Na Língua de Camões”, o “30th Anniversary-Greatest Hits”, o  “Lucky Christmas-Christmas Classics”, e os DVD’s “Glamour e Nostalgia” e “Live At Sintra”.

 

AMMA: Até ao momento os LUCKY DUCKIES têm uma vasta discografia em que incluem temas originais e covers com arranjos personalizados e “vintage”. Fazer arranjos a um cover é uma responsabilidade muito grande? Já alguma vez tiveram algum feedback engraçado de algum artista sobre um tema seu que tenham adaptado? Se sim, como foi?

MA: Sim! Tivemos do António Calvário e do Artur Garcia que elogiaram a versão que fizemos dos seus respetivos temas “É Tão Bom” e “Amor, Amor”.  De Itália temos napolitanos a preferirem a nossa versão de “Tu Vuò Fá L’ Americano” à original de Renato Carosone, Que aliás discordo, o original é sempre o original e foi o original que nos inspirou!

AMMA: Estes dois últimos anos muito conturbados o Marco António cantor, dedicou-se à sua faceta de Marco António pintor com os retratos a pastel. O retrato é o tipo de pintura que mais tem a ver consigo ou tem algum outro que também domine e o realize como artista plástico?

MA: Sem dúvida. Conseguir ter uma expressão única de uma pessoa num retrato faz dessa obra uma obra única. Capturar a alma pelo olhar ou expressão de uma pessoa é um desafio gratificante quanto se atinge o resultado positivo.

 

AMMA: A técnica da pintura em pastel sobre papel rugoso especial é a sua preferida?

MA: Sim. Pois como sou impaciente e quero ver resultados com rapidez é a mais eficaz nesse aspecto. Alem de que se pode apagar e emendar com alguma facilidade.

 

AMMA: Durante a pandemia teve muitas encomendas? Foi um bom mercado para apostar?

MA: Confesso que sim.

 

AMMA: Que encomendas engraçadas, ou menos esperadas teve?

MA: De algumas figuras públicas e de animais de estimação.

 

AMMA: Ainda sobre a pandemia… ela esteve a dois passos de estragar a comemoração dos 35 anos de existência dos LUCKY DUCKIES, mas felizmente parece que está de alguma forma mais controlada e permitiu fazer uma excelente tournée que ainda está na estrada. Que balanço têm destes 35 anos de actividade? Que altos e baixos que tiveram, as vossas curiosidades… tem valido a pena esta dedicação?

MA: Momentos baixos nunca os houve, mas tivemos alguns momentos altos marcantes.

 

AMMA: Para este ano quantos concertos têm na agenda? Tantos já realizados como os previstos?

MA: Pelas minhas contas, sim, será mais um bom ano.

AMMA: Têm visitado muitas localidades novas? Quando regressam a uma terra que já vos recebeu no passado, vem à memória esses tempos?

MA: Claro, sempre!

 

AMMA: Embora os LUCKY DUCKIES sejam uma banda “revival”, os tempos mudam, as tendências e as tecnologias também. Qual é a vossa relação com as plataformas digitais para disponibilizar os vossos novos trabalhos em vez dos discos físicos?

MA:A melhor possível. O revivalismo é para a música e para o palco, é para o conceito. Mas não podemos ignorar que se não nos modernizarmos nos suportes pelos quais somos ouvidos, pura e simplesmente deixam de nos poder escutar, por mais que gostem! Só uma ínfima parte ouve discos de vinil, apesar de ser uma tendência crescente, mas pouco prática, e para uma pequena elite o nicho de mercado.

 

AMMA: Quanto a projectos novos, o que têm em mente para os próximos tempos?

MA: De novo é mesmo tentar novos mercados. Planeamos “invadir” Espanha”! LOL

 

AMMA: Para terminar que mensagem gostariam de deixar às bandas jovens que estão no seu início, as dificuldades que poderão vir a ter e como as ultrapassar… que postura devem ter para ter para chegar ao sucesso?

MA: Se eu soubesse a fórmula também estaríamos num patamar internacional muito maior. Mas advirto que devem estudar música, tentar ter coerência na criatividade, e serem pessoas responsáveis, humildes e cumpridoras. Devem sobretudo tratar os fãs como amigos e não como súbditos!

CF: Nunca desistam do sonho musical. É a música que dá alento àqueles que sentem que nasceram para ela. Não temos que viver economicamente dela. Pode ser um bom part-time. Se assim pensarem podem lentamente arriscar o viver da música exclusivamente. Não se deixem deslumbrar pela fama, esta é efémera. Vai e vem. É cíclica. Ser artista é ter a arte, não é viver dela!

 

Legenda das Fotos:

1) Foto para o álbum na "Língua de Camões"

2) Marco António num dos primeiros concertos da banda com o patrocínio da Harley Davidson

3) A primeira formação dos LUCKY DUCKIES em finais dos anos 80

4) Grande concerto no Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra. Esta foto serviu para capa do DVD

5) Retratos a pastel pintados pelo Marco António. 

6) Bonita moldura humana do seu público na Av. dos Aliados no Porto

 

Texto: Pedro MF Mestre

Fotos: cedidas por Marco António

 

 

“A Zebra de Bolinhas” Livro inclusivo para crianças e não só

“A Zebra de Bolinhas” é um livro para crianças com a história centrada em aventuras de uma zebrinha, a Bella, que nasceu com bolinhas em vez de riscas. Estando triste por ser diferente das restantes zebras conhece uma galinha também diferente das outras através da qual faz mais amigos num grupo onde a diferença predomina. Em várias aventuras encontram outros animais que sofrem de rejeição por terem diferenças em relação aos seus pares e através deste grupo conseguem ser ajudados a superar da melhor forma a sua situação.

 

Aqui a parte pedagógica que impera é a aceitação da diferença uns dos outros, ser inclusivo.

 

A criatividade vai para além do habitual, em que numa história infantil se insere a tecnologia dos nossos dias introduzida às crianças com termos tais como: redes sociais, influencers, selfies, ou seja o mundo digital actual.

 

As suas autoras: Ana Paula Catarino e Helena Perim têm São Paulo em comum. Ana Paula como empresária em criatividade e cinema e Helena na comunicação visual como TV e outros meios.

 

Portuguesa de origem, Ana Paula estudou cinema na New School University de NY e tem mais de 25 anos de experiência na área, com presença em projectos internacionais com nomes e parceiros globais assim como Google, Netflix Cartoon Network, Youtube, Globo News entre outros. Um dos seus grandes sucessos é “Animals” em 2017 com estreia em Annecy e contou com dezenas de prémios. Em 2020 Ana Paula troca São Paulo por Lisboa, continuando a sua carreira na indústria de cinema e criatividade.

 

A Helena Perim, também é especialista em Comunicação Visual, Propaganda e Marketing. Em São Paulo também esteve ligada a projectos como Editora de Arte na TV Cultura e vários programas infantis obtendo variados prémios. Ainda trabalhou em Itália em projectos ligados à televisão e produção de conteúdos. De regresso ao Brasil tem lança-se na edição de vários livros e teve envolvida em revistas temáticas. Quando se dedicou mais à arte da escrita decide desenvolver projectos de guiões de TV e publicidade, assim como projectos ligados a séries de animação infantil, comédias, dramas live action e reality shows para canais televisivos.

 

Este livro conta com a ilustração de Margarida Madeira e a Editora é a “Cordel  d’ Prata”.

 

O lançamento da obra foi oficialmente a 28 de Maio em Lisboa e neste momento já é um grande sucesso.

 

AMMA: Qual o segredo para escrever um livro por duas pessoas? Qual foi o papel específico de cada uma das autoras mesmo à distância?

 

Ana Paula Catarino: A ideia de uma zebra com bolinhas já existia. Durante o confinamento obrigatório, vi no facebook o anuncio para um concurso literário e por impulso enviei-lhes a sinopse, sem imaginar que seria selecionado. Eu e a Helena temos uma amizade e parceria de trabalho de mais de 10 anos, então uma vez que nos aprovaram foi bem fácil conduzir o processo mesmo a distância. A Helena é uma experiente escritora cheia de ideias, plots, nomes de personagens, então a minha parte foi enquadrar a história no contexto de Portugal, porque a mensagem é universal.

 

Helena Perim: Eu já sou escritora no Brasil e já publiquei dois livros em parceria com outra autora. Não foi difícil porque já tinha essa experiência e gosto muito de compartilhar ideias. Eu criei os personagens e o conceito das histórias e juntas desenvolvemos os capítulos, principalmente porque o meu português é do Brasil e muitas palavras e frases tiveram que ser alteradas para não perder o sentido. Nesse ponto foi muito bom ter a Ana Paula como parceira nesse projeto. E além disso, foi a Ana quem contatou a editora e selecionou algumas ilustradoras para o livro e juntas escolhemos a Margarida.

 

AMMA: Esta ideia inovadora de ter um livro para crianças, com o propósito dos valores da inclusão de pessoas com diferenças e falando uma linguagem de jovens e adultos centrada na tecnologia, como foi o juntar tudo isto para ter este resultado final?

 

APC / HP: Hoje em dia as crianças acedem à tecnologia antes mesmo de aprender a ler e escrever, por isso achamos que elas não teriam problema em assimilar a tecnologia na história. A nossa preocupação foi não dar a tecnologia uma importância forte na história, somente no início do livro. O nosso objetivo era passar para elas os valores de igualdade, solidariedade, auto estima e principalmente amor e acolhimento.

Apesar da faixa etária do livro ser mais para o pré escolar, acho que conseguimos atingir uma faixa de idade maior também e estamos muito felizes com esse resultado.

É um tema muito importante nos dias de hoje que deve ser abordado de uma maneira atrativa, leve mas com responsabilidade.

 

AMMA: Ao escrever para crianças tem que se ter em conta o que cada faixa etária vai assimilar do conto. Vocês neste livro contornam um pouco isso conseguindo torna-lo transversal a algumas idades diferentes. Quando iniciaram o projeto qual eram os vossos destinatários em concreto?

 

APC / HP: Com certeza pensamos na faixa etária pré-escolar que vai até 5 anos, mas depois que o livro ficou pronto vimos que mesmo com um visual bem infantil ele atraiu uma faixa maior de crianças entre 4 e 9 anos. Foi uma ótima surpresa para nós.

 

AMMA: Tendo em conta que escreveram esta obra à distância uma da outra, como se reuniam para discutir o progresso do vosso trabalho? Foi desafiante?

 

APC: Foi um processo bem fluido, via zoom, watsapp, email.

HP: Com a tecnologia! Graças a ela que a Bella fica famosa e graças a ela que conseguimos tornar esse projeto realidade.

Na verdade eu já tinha essa história na cabeça há algum tempo. Ana Paula era apaixonada pela ideia e sempre nos cobrávamos por não colocar a história no papel. Ela ainda morava aqui no Brasil. Bastou ela ir para Portugal e eu tive um folga nos trabalhos e sentei para escrever. E assim desenvolvemos tudo, via e-mails, whatsapp e chamadas de vídeo.

 

AMMA: Como é a cumplicidade entre escritoras e a ilustradora? Como comunicam ambas as artes entre si?

 

APC: A editora tinha um ilustrador em mente, e não costumam abdicar de decidir o caminho visual da obra. Mas eu acho que em conteúdo infantil, a parte visual é quase tão importante quanto o texto, e é imprescindível que eles se complementem. Eu estava em outro projeto com a Margarida, que é uma animadora e ilustradora com trabalhos bem conseguidos. Ela achou o projeto tão fixe, que se sentiu inspirada a criar os personagens. E de novo, alinhamos os nossos caminhos com a Helena via zoom.

 

HP: É muito bacana porque cada uma tinha na cabeça uma ideia visual. O mais bacana quando a gente lê um livro é deixar a imaginação fluir e ir criando as cenas e os personagens como imaginamos.

Foi divertido ver o resultado final que a Margarida propôs como ilustradora. Eu sempre imaginei esses personagens tridimensionais e quando vi os desenhos dela me assustei, mas ao mesmo tempo amei. Fizemos poucas mudanças no que ela propôs.

Ana Paula já conhecia melhor o trabalho dela e combinava bem com o que ela imaginava. Eu não. Mas adorei o resultado.

 

AMMA: Com tanta tecnologia presente no livro, preveem fazer alguma edição voltada para os canais digitais?

 

APC: A TVE de Espanha selecionou a Zebra De Bolinhas entre 200 projetos, e agora estamos a planear a adaptação para uma série de banda desenhada. A partir daí, podemos pensar em diversos desdobramentos, desde que eles complementem a obra e fortaleçam os conceitos e valores que nos inspiraram.

HP: Temos vários planos para a nossa Zebrinha e estamos fazendo parcerias bem interessantes para tirar esses personagens do papel e poder vê-los nas telas.

 

AMMA: Que mais iniciativas de divulgação, actividades e presença com os leitores têm previstas para os próximos tempos?

 

APC: O livro vai estar na Feira do Livro de Lisboa, e pode ser adquirido online na FNAC, Bertrand, Cordel de Prata online e Wook. Na volta as aulas planeamos visitas a algumas escolas, e em 2023 é possível que se inicie a produção da série.

HP: Quem cuida de tudo em Portugal é a Ana Paula. Eu estou em contato com editores brasileiros para lançar o livro aqui. Em Portugal o livro é vendido somente online mas espero que logo logo ele ganhe as vitrines das livrarias aqui no Brasil.

 

AMMA: Como está a correr a venda do livro tanto em Portugal como no Brasil?

 

APC / HP: Está indo muito bem mesmo sendo vendido somente pelo site da editora, da Fnac e da Bertrand. Estamos felizes de ver que as crianças que leram gostaram tanto que levaram para suas escolas e algumas bibliotecas pediram exemplares. Educar divertindo é o caminho ideal.

 

AMMA: Que mensagem querem deixar aos mais pequenotes que ouvem a vossa história e aos mais crescidos que a leem?

 

APC / HP:Queremos que as crianças não sejam influenciadas por preconceitos ou pensamentos que não cabem mais nos dias de hoje. Precisamos mostrar a elas que cada um de nós tem um pontinho que nos faz diferente, e isso é ótimo. Mas ser diferente não quer dizer ser melhor ou pior. O mundo é habitado por várias espécies e todas precisam conviver em paz. A autoestima é a porta para o amor, que nos ensina a compaixão, que nos leva a tão sonhada felicidade.

As autoras:

Ana Paula Catarino

Helena Perim 

 

Texto: Pedro MF Mestre

Fotos e ilustração: cedido pelas autoras

 

Elisabete Ladeira e “A Aventura de uma Gotinha”

 

 

Elisabete Ladeira, é uma autora multidisciplinar, lisboeta de 39 anos, com um público alvo muito específico, as crianças.

 

O segredo da escritora de “A Aventura de uma Gotinha” foi sempre sonhar. Sonhou ser educadora, escritora, cantora e assim foi sempre conseguindo concretizar os seus sonhos.

 

Mesmo nesta fase difícil em que estamos a ultrapassar da pandemia, foi desafiada, com o apoio incondicional da sua mãe e com a dedicação da editora Flamingo Edições, a lançar o seu primeiro livro para crianças, em que a história é em torno de uma Gotinha de Água no seu ciclo natural. Educa não só os seus alunos pela importância dela, como todas as crianças que desfrutem da história e sensibiliza os adultos que a leem aos seus mais pequenos.

 

Neste seu primeiro livro, Elisabete Ladeira tem a oportunidade de fazer chegar mais longe, a mais crianças, tanto a componente lúdica como a educativa, para esta causa tão nobre que é preservar a água.

 

AMMA: Na sua experiência de educadora, o contar uma história às crianças teve influência directa na materialização desta história e do livro. Quando conta uma história aos seus alunos e vê que ela lhes toca os corações, que emoção tem nesse momento?

 

Elisabete Ladeira: Sinto uma enorme alegria…e um sentimento de dever cumprido, invade o meu coração.

É maravilhoso perceber que a mensagem foi compreendida e chegou ao destinatário.

Na verdade, esta história surgiu da necessidade de trabalhar o ciclo da água e o esquema corporal, com um grupo de crianças de 2/3 anos. Ao querer fugir ao que já existia, dei comigo a fazer o que realmente me fazia sentido.

E quando a contei na sala, a reacção das crianças foi maravilhosa.

Na verdade, da 3ª vez que a contei, o meu grupo  já antecipava uma quantidade significativa de rimas, o que vem provar que os textos poéticos, pela sua sonoridade, são mais facilmente entendidos e interiorizados pelos mais pequenos.

 

AMMA: Em que consiste a base desta obra? Qual o ponto que quer transmitir e consciencializar tanto os mais pequenos como os adultos que lhes estão a ler o livro?

 

EL: Esta obra foca um tema que me parece dos mais pertinentes da actualidade, a importância da Água para a preservação da vida no nosso planeta e as formas de a rentabilizarmos de forma sustentável.

 

AMMA: É fácil sentar um grupo de crianças a ouvir uma história?

 

EL: Quando se é apaixonada por aquilo que se faz, sim… desde que me conheço como gente, sempre estive rodeada de livros e histórias de encantar, fruto de uma mãe, também ela educadora, e que sempre adorou ler e me transmitiu essa enorme paixão pelos livros e de um pai com um enorme talento para o fado e uma enorme facilidade para fazer rimas.

O mesmo acontece com as crianças com quem trabalho. Se demonstro alegria e prazer naquilo que estou a fazer, mais facilmente desperto o interesse das mesmas promovendo nestas o gosto pelas histórias e despertando a curiosidade para esse objecto tão especial… o livro…

A hora da história é um momento de partilha, descontração e divertimento, pois a componente lúdica é fundamental nestas idades.

 

AMMA: Quais as faixas etárias em que são mais curiosos, atentos e para os quais desenvolve a maior parte dos seus trabalhos?

 

EL: Como uma semente que se lança na terra, para no futuro gerar uma árvore,  também o gosto pelos livros tem que ser cultivado desde tenra idade.

Desde bebé que este objecto deve fazer parte dos “brinquedos” da criança.

Se estimulada na infância, a leitura vira um hábito para a vida.

Conto diariamente histórias aos meus grupos de creche… 1 e 2 anos.

As histórias são ferramentas essenciais para a construção da identidade e dos valores da criança.

Através das histórias a criança desenvolve o raciocínio e aumenta a capacidade de compreensão do Mundo , enriquecendo o vocabulário e facilitando a sua capacidade para se expressar.

Estimula a imaginação e a criatividade e fortalece o laço afectivo entre adulto e criança.

Ao nível emocional, as histórias permitem á criança,  reconhecer, entender, consciencializar e expressar de forma assertiva as suas emoções e sentimento.

Com os mais velhos cria-se uma relação de empatia com as personagens da narrativa o que permite à criança vivenciar indiretamente os conflitos e a resolução dos mesmos, vividas pelas personagens.

Até aos 3 anos devemos contar histórias simples, de ritmo lento, utilizando expressões conhecidas pelas crianças e aproveitar para introduzir novas palavras e conceitos.

Ao contar uma história é também muito importante a comunicação não-verbal podendo enriquece-la, com expressões, sons, gestos e pequenas teatralizações envolvendo mais a criança na história e aumentando o seu interesse.

No entanto, o meu trabalho de escrita está mais vocacionado para crianças em idade pré-escolar… dos 3 aos 6 anos. Idade em que as crianças se demonstram mais curiosas, atentas e interessadas em perceber o porquê das coisas.

Mas faz tudo parte de um processo… é preciso, semear… para se poder colher os frutos…

 

AMMA: É fácil criar um contexto lúdico e educativo em simultâneo ou é um duplo desafio para si?

 

EL: Digamos que não me é difícil fazê-lo,  tendo em conta que já se tornou um hábito… sempre que quero trabalhar um tema e não encontro nada que satisfaça as minhas necessidades, eu crio…

E a minha profissão exige que seja criativa por forma a fazer chegar, mais facilmente a mensagem, às crianças com quem trabalho.

 

AMMA: O que a motivou a escolher este tema para o seu primeiro livro?

 

EL: Sendo este um tema de importância fulcral, na nossa sociedade e transversal entre as diversas gerações, pareceu-me oportuno abordá-lo neste pequeno livro criado para crianças, de forma leve e divertida e permitindo a pais e educadores desenvolver nestas, a responsabilidade de preservar e cuidar deste recurso natural, cada vez mais escasso e de importância fundamental, para a preservação da vida no nosso planeta.

Para entendermos até que ponto a água é preciosa, basta dizer que 96,54% da que existe no planeta é salina, portanto, imprópria para consumo humano ou para a agricultura. Dois terços da fatia restante está nos pólos, na forma de gelo, portanto, também inacessível. Na realidade, apenas 1% da água total da Terra é utilizável pelos humanos.

É por isso, de extrema importância sensibilizar o público para uma mudança de comportamentos no modo de consumo da água e para um uso eficiente deste bem, contribuindo assim para uma maior sustentabilidade hídrica.

O Dia Mundial da Água, comemorado no dia 22 de Março surgiu com o objetivo de criar medidas para a preservação da água e sensibilização em relação a este recurso natural , a nossa Gotinha chega com o objectivo de sensibilizar os mais novos para a preservação do ambiente e promover uma utilização sustentável da água, ao mesmo tempo que expõe de forma alegre e divertida, o seu Ciclo.

 

 

AMMA: É preciso ter uma grande cumplicidade e sincronização com a ilustradora, neste caso a Tatiana Dolgova? Vocês já se conheciam antes deste projecto?

 

EL: Para falar verdade… ainda não conheci pessoalmente a ilustradora do meu livro, pois este projecto iniciou em plena pandemia, no decorrer do 2º confinamento geral… tendo sido a comunicação, sempre feita por meio digital.

Foram-me enviados diversos trabalhos de diferentes ilustradores, pela editora, e a Tatiana Dolgova destacou-se pelas suas ilustrações coloridas e mais próximas da realidade que era o que pretendia tendo em conta a faixa etária a que se destina o meu livro.

Assim sendo, dei as minhas ideias e a Tatiana conseguiu torná-las ainda melhores do que tinha imaginado.

Superou as expectativas e sem dúvida que quero conhecê-la pessoalmente.

 

AMMA: Teve o incentivo da sua mãe e o apoio da editora em lançar esta obra para crianças. No geral qual é a maior dificuldade que os escritores têm para colocar um livro no mercado?

 

EL: Na realidade não há grande espaço para novos autores… e os que tal como eu perdem o medo e avançam, necessitam ter coragem e alguma capacidade financeira para arriscar, pois foi necessário algum investimento da minha parte para avançar com a publicação.

O mercado editorial, foca-se nos grandes nomes… aqueles que lhes dão lucro garantido, cujo nome, só por si já vende…e eu compreendo, porque infelizmente existem cada vez menos leitores e as editoras precisam de apostar em quem lhes permite e lhes garante manter as portas abertas…

Mas por outro lado acaba por não se dar a mão a novos talentos.

No entanto, sou grata á flamingo edições que após ter recebido este original, decidiu embarcar comigo nesta aventura.

E aqui estamos nós.

 

AMMA: O que espera que se faça em Portugal para que os escritores consigam mais agilidade para poderem criar e comercializar os seus trabalhos?

 

EL: Que exista um maior apoio governamental, à cultura,  de forma a permitir às editoras lançar novos autores e abraçar novos projectos, que de outra forma, nunca sairão da gaveta…

E por vezes perdem-se enormes talentos, por falta de investimento nesta área.

 

AMMA: Tendo uma componente artística multidisciplinar, já pensou num futuro próximo, editar um disco com canções suas com os seus alunos?

 

EL: Pensar já pensei… até porque cantar é outra das minhas grandes paixões. Aliás a titulo de curiosidade cheguei a fazer festas de final de ano lectivo, com canções escritas e cantadas por mim (risos), os educadores o que não têm… inventam.

Mas esses são caminhos que ainda não explorei… nem investiguei formas de lá chegar…

Já foi uma grande loucura dar este primeiro passo… mas quem sabe… se surgir a oportunidade… aqui estarei para a agarrar.

 

AMMA: Que mensagem tem a deixar aqui aos nossos leitores, tanto para os adultos, como a que quer que transmitam aos seus pequenos?

 

EL: Que nunca desistam de correr atrás dos vossos sonhos…

Há uns anos li uma frase de Shakespeare que dizia o seguinte:

 “Se os sonhos estão nas nuvens… Eles estão no lugar certo, agora construa os alicerces!”

 

E para terminar deixo aqui um pequeno poema da minha autoria, que vai ao encontro da mensagem que quero deixar a miúdos e graúdos…

 

O sonho comanda a vida,

já dizia o poeta,

e é sonhando que se avança,

até se alcançar a meta.

 

Luta pelo que acreditas,

segue em frente, sem receio,

Não desistas dos teus sonhos,

Eles não são um devaneio.

 

Sonhos tornam-se reais,

é preciso acreditar,

por isso apenas te digo,

Nunca deixes de sonhar!

 

Texto: Pedro MF Mestre

Fotos: (cedidas pela autora)

 

 

Hamlet de W. Shakespeare, TEC, Escola Prof. de Teatro de Cascais em tempo de pandemia, com Carlos Avilez

 

Hoje vamos ao Teatro. Não para assistir à peça em si, mas sim a um dos seus ensaios, e ainda falar com Carlos Avilez encenador do Teatro Experimental de Cascais (TEC) e director da Escola Profissional de Teatro de Cascais, sobre o teatro e o seu ensino em tempos de pandemia.

 

Em 2020 o TEC abriu as portas ao público a 15 de Maio, com a continuação da exposição “9+2” no seu Espaço Memória assinalando os 150 anos do Teatro Gil Vicente, local onde nasceu o TEC, onde levaram a cena as suas peças durante 9 anos consecutivos, e após um interregno a companhia voltou a este palco por mais dois anos, daí o nome da exposição ser “9+2”. Conseguiu-se a reabertura desta exposição com todo este espólio documental após o levantamento do confinamento geral, com as medidas propostas pela DGS para ter as portas abertas ao público com a devida segurança.

 

A primeira peça a ser levada ao palco do Teatro Mirita Casimiro pela companhia foi Bruscamente no Verão passado”, de Tennessee Williams. Foi um desafio pós-confinamento sendo uma experiência pela qual nenhum dos intervenientes tinha passado até ao momento. Com esta 165ª peça a ser apresentada ao público pelo TEC, entre 10 de Julho e 2 de Agosto, ainda teve uma componente solidária, a receita de uma das suas sessões reverteu totalmente para a Refood Cascais, o Teatro solidário com os que mais necessitam.

 

Como estamos em tempo de crise pandémica o teatro reinventou-se e em menos de um mês Carlos Avilez tem mais uma peça em palco, mas num formato ao ar livre, o “Caminho Real”, também de Tennessee Williams em cena de 7 a 20 de Agosto, no Anfiteatro do Parque Marechal Carmona em Cascais. Como tem sido habitual no final do ano lectivo, alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais fazem parte do elenco. Nesta peça participaram 40 alunos dos quais 33 são finalistas.

 

O ano não acabou aqui, o TEC ainda levou a palco YERMA de Federico García Lorca, com a estreia a 13 de Novembro e em cena até 13 de Dezembro, mas com a conjuntura de confinamento obrigatório ao fim-de-semana as suas sessões acabaram por ser reajustadas à nova realidade.

 

YERMA, para além do elenco fixo da companhia e com mais actores que têm feito parte da história do TEC ao longo dos últimos anos como Renato Godinho, Rita Calçada Bastos e Rodrigo Tomás, foi protagonizada por Sara Matos, que também começou a sua carreira passando pela Escola Profissional de Teatro de Cascais.

 

Já para este ano, o arranque das actividades do TEC com o público dá-se com HAMLET, de William Shakespeare a 21 de Abril. Tendo a tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen, dramaturgia de Fernando Moser e colaboração dramatúrgica de Miguel Graça, conta com a encenação já característica de Carlos Avilez.

 

O seu elenco é composto por actores como Bárbara Branco, Diogo Martins, José Condessa (em Hamlet) e Maria João Pinheiro, que se juntam a Elmano Sancho, Flávio Gil, João Gaspar, João Pecegueiro, Luiz Rizo, Miguel Amorim, Miguel Loureiro, Renato Pinto, Rodrigo Cachucho, Sérgio Silva e Teresa Côrte-Real. Embora com uma lotação reduzida a 48 lugares sentados, segundo as orientações das autoridades sanitárias, o TEC leva a peça para a frente para o seu público.

 

Tivemos a oportunidade de ter uma agradável conversa com Carlos Avilez em que o  tema base é o Teatro em tempo de pandemia, tanto no TEC como na Escola Profissional de Teatro de Cascais. Vamos ver o que ele tem para nos dizer.

 

 

AMMA: Como encenador, o que é para si fazer teatro em tempos de pandemia?

 

Carlos Avilez: É horrível… por todas as razões claro. Para já por ser uma situação de não poder ter contacto, o teatro é uma coisa de contacto, nós estamos próximos uns dos outros. É um problema de ternura… e depois é um problema de tudo o que influencia. É evidente que uma pessoa que está em casa dois meses, quando volta, volta com muitos problemas de mobilidade inclusivamente, de depressão, de estar a dar um espectáculo e ter que parar e pior que isso, eu até ontem não sabia se havia ou não a estreia na 4ª Feira. Por exemplo no ano passado para fazer “Bruscamente no Verão passado” estive sete meses à espera de estrear e agora estava nessa espectativa de estreia ou não estreia, como é que se faz… é horrível… ensaiarmos de máscara e não nos podermos tocar, tudo isso…

 

AMMA: Os vossos ensaios foram reinventados com a utilização dos equipamentos de protecção. Foi complicado derivado à dinâmica que têm em palco?

 

CA: Foi complicado. Eu tenho a sorte de ter um extraordinário elenco. Tenho grandes actores que estão habituados a dominar as situações mais terríveis e mais complexas, mas para isto nós não estávamos preparados, não sabíamos, é uma coisa que nós desconhecíamos,  eu não sabia como me haveria de defender disto, como é que se defende de uma coisa destas. Fui surpreendido… faço 65 anos de carreira e nunca me tinha deparado com uma situação destas. Deparei-me com subsídios e com muita coisa agora com isto não, porque o inimigo é invisível.

 

AMMA: Após o primeiro confinamento no ano passado, abriu o ano do TEC com “Bruscamente no Verão passado”, de Tennessee Williams. A escolha dessa peça foi estratégica?

 

CA: Não. Uma programação é feita à distância, por exemplo esta peça que eu estou agora a fazer já estava a planear há mais de um ano. Eu fiz o Hamlet em 1983 e não pensava voltar a fazer por várias razões, inclusivamente as afectivas, o desafio, a grande peça, o grande momento, eu fiz e estou a fazer o Hamlet.

 

AMMA: Compensa abrir as portas da sala com as restrições de limite de público determinado pelas autoridades? Que futuro prevê para o teatro em Portugal enquanto durar a pandemia?

 

CA: Sabe, nem que seja para um espectador… nós representamos para o público e temos que ter público, é impossível não ter público… o nosso trabalho é para o público e uma relação com o público. É preciso que vejam o nosso trabalho. O cinema e a televisão tudo isso fica, o teatro não fica. É uma coisa que não fica. As pessoas sabem que existiram determinados espectáculos mas não vêm não sabem como eram. Ouvi falar da Ângela Pinto, mas nunca vi. Vi no cinema mas é diferente. Eu já atravessei muitas lutas, eu e os meus colegas todos e o teatro sobreviveu: à rádio, à televisão, ao cinema e agora o problema é sobreviver à pandemia.

 

AMMA: Como estão as companhias de teatro a sobreviver nestes moldes?

 

CA: Nas piores condições… as piores condições em que fiz um espectáculo desta dimensão foi exactamente o Hamlet actualmente.

 

AMMA: A segunda peça do TEC em menos de um mês, no ano passado, em espaço ao ar livre e com alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais, teve um motivo especial? Fez parte de uma experiência, ou foi idealizada dessa forma logo desde o início?

 

CA: Foi feito ao ar livre porque não podíamos fazer no Teatro. Era uma peça que estava prevista e adaptamos ao exterior, resultou bem. O Tennessee não é propriamente para exterior, mas aquela peça sim pode ser feita. Tive que me adaptar.

 

AMMA: Sobre a Escola Profissional de Teatro de Cascais, como se tem conseguido ensinar e aprender nestes tempos conturbados?

 

CA: Eu aprendo todos os dias e ensino todos os dias. Sabe, nós ao fim de uns anos temos uma experiência muito grande. Eu trabalhei com grandes nomes e tenho a obrigação de passar essa mensagem, mas também as coisas mudaram e o que realmente. Esta gente nova é uma geração completamente diferente, e a geração depois da pandemia é outra e eu aprendo com eles também e tenho uma relação muito forte com os meus alunos e essa é uma das razões também que me faz estar activo.

 

AMMA: Mesmo no teatro que é uma arte muito prática, chegou-se a fazer ensino à distância nas aulas teóricas?

 

CA: Mas eu não sei fazer… eu fui quase obrigado a fazer mas o teatro não é para ser feito online. É para ser feito ao vivo, mas é evidente que tinha que acompanhar os alunos mas senti-me um bocado frustrado porque não estava a ensinar nada. Estava a acompanhar as pessoas, estava a dizer as coisas, mas aquela experiência que eu tinha e queria passar, e que se vai ressentir evidentemente porque os alunos que tiveram as aulas de Teatro online não têm a preparação dos outros e espero que recuperem quando tudo isto acabar, mas não me sentia bem e fui sempre contra isso. Tive que me sujeitar porque senão não tinha contacto com os alunos.

 

AMMA: Como está o estado de espírito tanto da equipa de professores como dos alunos com estes impasses?

 

CA: À espera… à espera.

 

AMMA: Em média quanto tempo necessita para por uma peça deste género em palco? Contando com os ensaios, cenários, guarda-roupa, luzes e toda a envolvente necessária à produção da peça?

 

CA: Acho que para ter esta peça, tem que se pensar que o tempo é uma vida… (risos). Comecei a ensaiar em Janeiro e demorou cerca de três meses, mas é uma vida… não se aprende o Hamlet em três meses ou quatro, é uma vida de experiência. 

 

AMMA: Já tem idealizada a peça que pretende levar a palco com os alunos finalistas da Escola de Teatro deste ano?

 

CA: Sim, já. “Os gigantes da montanha”  de Pirandello.

 

AMMA: Uma palavra final para os nossos leitores sobre o teatro e a cultura em tempo de pandemia.

 

CA: Estejam connosco, que nós estamos com eles.

 

Texto e Fotos: Pedro MF Mestre

 

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Ricardo Mello, paixão e talento no DJ’ing e no Design

 

 

Ricardo Mello é um jovem grande talento tanto na arte de DJ, produtor de música eletrónica em Portugal e ainda na sua dedicação ao design.

 

Nascido em 1984, Ricardo aspira ao sucesso musical logo aos sete anos de idade iniciando-se no piano e na percussão, sendo que foram o motor para chegar ao DJ’ing com o sucesso que tem atualmente na sua vocação musical.

 

O que pretende quando está na sua mesa de som e com todo o equipamento associado é ver o impacto que a sua música está a ter no público presente na pista, ou seja agitar-lhes o sangue  proporcionando um bom momento de dança, divertimento e descompressão. O seu estilo baseia-se no deep house, house vocalizado, eletrónica e mainstream. Os DJ’s que o influenciaram ao longo de duas décadas passaram por David Guetta, Daft Punk, Deadmau5, Bob Sinclar, Martin Solveig entre outros, sendo estes os mais marcantes.

 

Na sua carreira de animação musical ao longo destes anos partilhou espaços com os mais famosos nomes da música de pista como David Guetta, Axwell, Steve Angelo, Miguel Miggs, Dj Vibe, Diego Miranda, Chus & Ceballos, Bob Sinclair, David Moralles, Martin Solveig, Edward Maya, Ives Larock, Dimitri From Paris, entre outros.

 

Os primeiros passos foram dados na então discoteca Coconuts em Cascais, uma das mais emblemáticas da altura na linha, onde trabalhou durante vários anos.

 

Não se contenta com o passar música para uma pista de dança e ter o retorno da animação dos clientes do espaço. Aposta também na fundação da “Emmo Records”, e aderiram a este projeto no território da dança, artistas como o DJ Vibe, Kobbe, Cytric, Carlos Frauvelle, Richie Santana, Milton Channels, Kobbe, Eric Entrena, Dário Nunez, Tarot, Sérgio Fernandes, London 909, e outros.

 

Em 2005 Ricardo Mello lança-se no mercado de produção internacional trabalhando com vários artistas e produtoras de vários países, assim como o lançamento do tema “Tribal Dream” em colaboração com vários artistas de renome, tendo sido a alavanca principal para o este seu lançamento internacional. Assim este DJ cria um portefólio de temas originais e outros remixados que foram bem recebidos e reconhecidos nos mercados estrangeiros. O destaque vai para o seu tema original “Tears” com a editora Canadiana Readymix Records, assim como também o tema em remix “If you like”, um original de Mickiyagi feat Orly Weinerman, com a norte americana Soundgroove Records.

 

Ricardo trabalhou como DJ oficinal para a revista Portugalnight Mag entre 2008 e 2011, para tal foi percorrendo os melhores clubes nacionais e estrangeiros, passando pela Suíça, Espanha, Andorra e o Brasil.

 

O ano de 2009 fica marcado pela sua animação musical na prestigiada discoteca Kapital em Lisboa, e dois anos mais tarde assina como DJ residente no Guilty no espaço do Chef Olivier. Estas são duas das suas grandes presenças nos espaços de diversão noturna da capital portuguesa.

 

Em 2012 e durante três anos Ricardo Mello esteve como DJ residente na prestigiada Kadoc, uma das mais mediáticas discotecas nacionais por onde passaram muitos dos maiores nomes das diversas partes do mundo da música eletrónica para as pistas de dança.

 

O artista esteve durante vários anos como Dj Residente do conceituado espaço noturno “Lust in Rio”, e continua a atuar frequentemente em alguns conceituados clubes a nível nacional.

 

Um dos projetos mais recentes de Ricardo Mello consiste no lançamento de vários temas em parceria com o maior nome do DJ’ ing português, o Diego Miranda. Neste momento estão a desenvolver um novo tema, dando a continuidade ao projeto.

 

O tema também recente “Could This Be Love” foi feito em colaboração com artistas do Reino Unido, os m4dc4t e a Kerry Reeve, assim como a Norte Americana Marika Takeuchi. O êxito que alcançou já leva a mais de 350.000 Streams no Spotify assim como o interesse de mais de 20 rádios a nível mundial de difundir esta música.

 

A pandemia determina o fecho de muitas atividades em todo o país, sendo que os espaços de diversão noturna foi uma das áreas mais afetadas em termos de tempo de encerramento. Num ano não abriram portas para o público uma única noite.

 

Aqui proprietários, artistas, barmen’s, seguranças e todos os intervenientes no bom funcionamento destes espaços, tendo a sua atividade parada tiveram que se reinventar num mercado onde o desemprego domina. Alguns com sucesso, outros não.

 

Ricardo Mello tem a capacidade de se reinventar e dar cartas noutras atividades em que teve formação como o design, e também o colecionismo.

 

Vamos conhecer melhor este artista.

 

 

AMMA: Ricardo começa com 7 anos a perceber que é a música que vai dominar a sua profissão e o estilo de vida. Foi fácil conseguir ter aulas de piano e percussão, ou entrou muito pelo mundo autodidata?

 

Ricardo Mello: Eu logo cedo, felizmente, tive acesso a vários instrumentos lá por casa. O meu Pai tocava Saxofone na banda da Policia e dava uns toques no piano e assim desde logo cedo comecei a sentir que a música fazia parte de mim e iria fazer parte da minha vida.

 

AMMA: Que recordações tem da primeira vez que assume uma mesa de mistura para pôr uma pista a dançar?

 

RM: Tenho uma história engraçada. Retrocedendo ao ano de 2001, era eu copeiro na mítica Coconuts em Cascais, quando o DJ residente na altura faltou motivo de doença. Salvei a noite e assumi desde dia em diante a residência da discoteca.

 

AMMA: É fácil de perceber qual é o tema que o seu público quer ouvir de seguida? Isso sente-se?

 

RM: Não é fácil, senão qualquer um seria Dj. Existe por ai muito curioso que basicamente o que faz é passar as playlists da rádio da moda. O caminho não é esse. Temos que sentir o que as pessoas querem ouvir e isso ganha-se com o passar dos anos, a experiência.

 

 

AMMA: O mercado do DJ’ing e da música eletrónica, antes da pandemia, era devidamente valorizado como arte, ou ainda havia algumas arestas a limar?

 

RM: O mercado do Djing  já não é valorizado em Portugal há vários anos. Na minha opinião derivado às modas dos djs vindos dos Reality Shows e dos cursos ao empurrão que na última década explodiram no nosso país banalizando, e assumo, quase destruindo a profissão. Felizmente as atuações e o tempo encarregam-se de contar a verdade e fazer sobressair aqueles que realmente trabalham e amam a profissão.

 

AMMA: Tendo em conta que o seu estilo baseia-se no deep house, house vocalizado, eletrónica e mainstream e teve como influência os maiores DJ’s da atualidade. Tudo isto reflete-se no sucesso da sua carreira? É este o tipo de som que o público mais escolhe para as mais conceituadas pistas de dança em Portugal?

 

RM: Eu venho da escola de sonoridades mais duras, mas cedo percebi que a minha essência vinha do tribal e ritmos quentes, onde as boas batidas prevalecem. (risos) Se tiver um vocal a assentar bem, então temos malha!

 

AMMA: Reinventar-se, inovar, cunhando a sua marca pessoal no seu trabalho, foi algo que demorou a ser reconhecido ou conquistou com agilidade este mercado?

 

RM: Desde muito cedo sou também produtor de música, sendo esse um dos grandes impulsionadores do meu nome na música à parte dos longos anos de Dj Residente em grandes clubes por esse Portugal fora.

 

AMMA: Trabalhar com os nomes mais conhecidos do público internacional, para além de serem experiências únicas aprende-se muito com eles?

 

RM: É verdade, tive oportunidade de partilhar a cabine com muitos dos grandes nomes a nível mundial. Como eu costumo dizer, de cada gig, trouxe comigo um pouco deles.

 

AMMA: Tem algum episódio engraçado que queira partilhar sobre uma dessas prestações em parceria com DJ’s internacionais?

 

RM: Tenho varias, mas um dos episódios mais engraçados que vivi mesmo foi na Kadoc quando partilhei a cabine com o Bob Sinclar, uma das minhas referências e acabei a tocar umas musicas com ele no final da noite.

 

AMMA: Gravar nos EUA e Canadá passaram pela sua carreira. Esses países são mais acessíveis para a produção deste estilo de música do que Portugal?

 

RM: Foram oportunidades aproveitadas. A Readymix foi um dos meus primeiros lançamentos internacionais, seguiu-se a Soundgroove Records dos Nova Iorquinos Midnight Society e mais recentemente uma colaboração que quase que dá a volta ao mundo. 

 

 

AMMA: Com a globalização dos meios digitais, é mais fácil ou mais difícil ser-se DJ? Há mais facilidade de trabalhar em parceria com outros nomes internacionais através das plataformas de música digitais?

 

RM: Sim e vêm de encontro à  pergunta anterior a esta resposta. Hoje em dia tornou-se fácil colaborar com artistas de todo o mundo. As redes sociais vieram unir a música, as culturas, o mundo. Infelizmente nem tudo são vantagens, mas há que aproveitar e adaptarmo-nos às tendências do futuro.

 

 

AMMA: Das discotecas nacionais por onde passou a sua música, começando no mítico Coconuts em Cascais até aos mais recentes clubes de diversão nucturna, como o “Lust In Rio”, a Kadoc, Kapital, Bosq, Rádio-Hotel, entre outros, tem que adaptar o seu som a cada casa, ou o público contagia-se com o seu estilo pessoal?

 

RM: Cada uma dessas casas têm o seu estilo próprio. Na Kadoc era tudo bem mais fácil, bastava tocar algo com uma batida mais forte e uma vozinha lá no meio que a malta dançava. Em clubes de grandes dimensões, assim como em festivais é sempre tudo mais simples, sendo mais fácil de agradar às massas. Em clubes mais pequenos tudo é diferente e se não soubermos educar o nosso público, temos que nos render às tendências ou arriscamo-nos a “vazar” a pista.

 

AMMA: Um facto curioso na sua carreira foi entre 2008 e 2011 a colaboração com a revista Portugalnight Mag, o que o obrigou a deslocações e prestações musicais no estrangeiro. Como é trabalhar fora de Portugal? É muito diferente na vossa arte?

 

RM: Não foi só com a Portugalnight Mag que viajei até ao estrangeiro, mas é verdade que eles foram uns dos grandes impulsionadores  da minha carreira, levando-me em tours, até alguns países da Europa ou até às duas edições da Sensation White realizadas em Portugal.

 

AMMA: Estamos em tempo de pandemia há um ano. Os espaços de diversão noturna estão completamente fechados ao público desde essa altura. Alguns ainda passaram música exclusivamente na Internet para tentar animar os seus clientes confinados no primeiro estado de emergência do ano 2020. Alguns profissionais readaptaram-se, outros não conseguiram. Conhece muitos colegas seus que estejam em graves dificuldades? Desde DJ’s, proprietários e restante staff?

 

RM: Infelizmente tenho muitos amigos e conhecidos a passar mal. Fico triste só de pensar. Segue daqui um abraço de força para eles esperando melhores dias.

 

AMMA: Como DJ, e falando do seu caso pessoal, quais as maiores “dores” que sente pelo facto da pandemia ter surgido, parando a atividade presencial? Este sector tem tido apoio de alguém?

 

RM: No meu caso pessoal e numa altura onde rodava por algumas das casas mais badaladas da capital e do país, foi como se de um balde de gelo se tratasse. Sinto que todos aqueles anos que dediquei a esta causa, parem deitados ao lixo. Lembro-me que por vezes quando ia tocar a clubes mais pequenos e familiares, que dizia que não sentia a mesma coisa. Hoje são esses clubes que tanta falta me fazem. Fez um ano que deixei de fazer o que mais gosto.

 

AMMA: Tem esperança de um dia voltarmos a ficar com tudo bem como antes? Já sonha com o regresso?

 

RM: O meu regresso esta para breve, esperemos. Já tenho algumas coisas marcadas para este ano, entre eles um festival, mas é tudo uma incógnita ainda. Esperemos por melhores dias.

 

AMMA: Relativamente às conquistas que teve ao longo destes anos que balanço faz da sua carreira de DJ?

 

RM: Bem... Tendo em conta que fui um dos primeiros DJ/Produtores a ter o seu próprio selo editando os maiores artistas do mundo, já ter passado um pouco por todo o lado e ter muitas historias bonitas nas malas, considero-me uma pessoa de sorte. É claro que nunca estamos satisfeitos, mas tenho noção que atingi um patamar onde não é fácil chegar.

 

AMMA: Curiosamente o Ricardo não deixa a música de parte, continua a desenvolver em parceria com o grande nome da industria musical de pista Diego Miranda, mas também reinventou-se. Antes de irmos ao design, retoma o colecionismo. Como surge isso? Já era algo que queria fazer desde muito jovem e agora foi o momento certo? Qual foi o tema central do seu colecionismo?

 

RM: Sim, lancei recentemente um tema EDM com o Diego e temos outro quase pronto para sair, desta vez algo mais melódico e quente que estou ansioso que todos oiçam. Sim, desde muito novo sempre adorei Super-heróis, preferencialmente a Marvel Comics. Com o nascimento dos meus sobrinhos a paixão cresceu e há cerca de 4 anos comecei a comprar tudo o que encontrava. Dou por mim com a casa estilo museu (risos).

 

 

AMMA: Além do colecionismo o Ricardo Mello é também designer. Em paralelo com o DJ’ ing também se formou em design?

 

RM: Sim tenho vários cursos e formações de Design e Multimédia, entre outros. Como eu costumo dizer, o saber não ocupa lugar e dá jeito.


AMMA: As artes gráficas também eram uma paixão antiga?

 

RM: Sim desde sempre. Estudei artes e sempre adorei jogos, fotografia e multimédia. Sempre tentei acompanhar as tendências, o que me trouxe uma grande bagagem e me tem catapultado para alguns lugares interessantes a nível profissional.

 

AMMA: Derivado a esta situação que temo vindo a abordar, foi um mudar de agulhas no mercado de trabalho? Em que tipo de grandes projetos tem estado envolvido?

 

RM: Neste momento colaboro com a Estoril Praia Sad como designer e integro também as mesmas funções no Grupo Global Context. A par de tudo isto sou também Label Manager da Less is More Records, uma das mais conceituadas editoras de música de dança portuguesas.

 

 

AMMA: De regresso ao tema da música, mantém ativo o seu perfil no Spotify com o seu nome “Ricardo Mello” (os nossos leitores poderão desfrutar do seu som neste espaço), com milhares de audições mensais, acha que pode ser um motor para partilhar momentos musicais em pandemia? Os temas que tem disponíveis estão todos de livre acesso, ou tem alguns pagos? Qual a sua perceção das plataformas de som digitais para os artistas transversalmente à área musical que tenham?

 

RM: Sim cada vez mais as plataformas da música de dança e ainda por mais numa altura como esta,  são a catapulta para os artistas e neste caso o Spotify e o Beatport têm sido dois grandes aliados. Neste momento tenho o meu mais recente tema a “Could This Be Love” que leva já mais de 350.000 Streams e que roda em mais de 20 rádios por todo o mundo. Esta a correr bem.

 

AMMA: Tem alguma palavra que queira deixar aos seus colegas do mercado da diversão noturna que estão neste momento parados?

 

RM: O que desejo a todos é que tenham força, fé e coragem... Não sei se alguma vez mais voltaremos a ter o que tínhamos. Sei que não estamos perto, mas já tivemos mais longe de voltar a estar juntos. Não desmotivem, reinventem-se... Numa altura como esta o pior que podemos fazer é desmotivar. Há tantas outras coisas que podemos fazer sem deixar de parte este nosso mundo. Força!!!

 

AMMA: Uma palavra aos nossos leitores, principalmente aos mais novos, sobre a atividade de DJ, o que podem fazer para seguir em frente com os seus projetos no pós-pandemia, e como lidar com as dificuldades que o mercado possa ter sem nunca desistirem?

 

RM: Em primeiro lugar quero agradecer à AMMA Magazine esta oportunidade. A todos os leitores o que desejo é que nunca desistam dos vossos sonhos. A vida passa depressa, acreditem e lutem por aquilo que mais desejam. Sejam felizes, acreditem em vocês. Todo o novo dia é uma nova oportunidade. Obrigado!

 

Texto: Pedro MF Mestre

Fotos: Rui Loureiro e Arquivo de Ricardo Mello

 

 

João Serra Fernandes: músico, produtor e director musical

 

 

João Serra Fernandes, actualmente dedicado à produção e direcção musical, tem um vasto percurso iniciado em 1991 ainda como amador em Sintra no antigo “Tópico”.

 

Já em 1993 decide estudar música na “Academia Acorde Comigo”, onde passou por professores como Mário Delgado, Luis Moreno, António Pinto. Mais tarde tem aulas particulares com Pedro Madaleno.

 

A estreia nos palcos decorre por volta de 1995 no mítico “Trovadores” onde a sua presença se torna habitual e onde tem a oportunidade de se cruzar e tocar com grandes nomes da música portuguesa, como Rui Veloso, José Salgueiro (Trovante), Sebastião Antunes (Quadrilha), Nuno Flores (Corvos/Quinta do Bill), Fernando Pereira (Romanças/Real Companhia), Mafalda Arnauth entre muitos outros.

 

Mais tarde integra diversas bandas que tocam em bares, maioritariamente na zona de Sintra, Cascais e Lisboa. Isto entre 1995 e 2002.

 

Em 2004 a sua carreira dá mais uma volta com o novo desafio de produzirespectáculos e eventos, e em paralelo com mais uma arte, a fotografia, largando temporariamente os palcos, dedicando o seu trabalho a estas duas áreas.

 

O ano de 2008 torna-se especial por voltar a pisar os palcos com a sua performance artística musical, na qualidade de músico convidado por algumas bandas tanto em bares como em eventos.

 

A fotografia profissional fica de parte em 2011, ficando com o seu trabalho dedicado na totalidade à área musical, tanto como músico, como produtor. Aqui nasce a a UpMusic Talents, empresa de produção, agenciamento e aluguer de backline , na qual desempenha as funções de Director Artístico e Director de Produção. Nesta altura, tem a oportunidade de trabalhar com grandes nomes da música nacional e internacional como Jorge Palma, Mico da Câmara Pereira, Daryl Struermer (Phil Collins/Genesis), Steve Hackett (Genesis), Chen Liony (cantora israelita), Liza Veiga, Pedro Madaleno, The Lucky Duckies, Denny Newman, Caroline Dawson, Rui Drumond, Lara Afonso, entre muitos outros...

 

 

Actualmente, em palco assume a função de guitarrista nos projectos “Depeche 101 - Tributo a Depeche Mode”, “Taboo Blues Band”, “Max Costa & The Big Fat Blues”

 

 

e “Madrediva”, sendo que nestes dois últimos é também director musical. Paralelamente, trabalha em estúdio como músico de sessão e produtor musical para alguns artistas.

 

Gere ainda, no youtube, o  Canal Johnny Guitar onde faz entrevistas na rúbrica Brainstorm. Este canal completamente dedicado à música, conta ainda com aulas de guitarra dadas pelo próprio artista, interpretação de covers instrumentais, directos com outros artistas assim como vídeos abordando outros temas.

 

Vamos conversar com João Serra Fernandes.

 

AMMA: Antes de se iniciar na música em 1991, já tinha tido esse desejo anteriormente?

 

João Serra Fernandes:

O meu pai era músico, fez parte de uma das míticas bandas portuguesas dos anos 60. Apesar de nunca o ter visto actuar, porque cedo trocou os palcos por “um emprego estável”, cresci a admirar as fotos dele em palco e com uma guitarra lá em casa pendurada na parede da sala, que sempre me intrigou. Obviamente, que logo desde muito cedo quis agarrar naquela guitarra e subir a um palco, como o meu pai.

 

AMMA: Quais foram as bandas e artistas de influência ao longo da sua vida?

 

JSF: Essa não é uma pergunta de resposta fácil para mim… Em diferentes fases da minha vida, tive diferentes influências musicais, mas posso destacar os que se mantiveram até aos dias de hoje. Chet Atkins, David Gilmour, Mark Knopfler, Gary Moore, Brian May, Angus Young, Steve Vai, Satriani, e mais outros tantos…

 

AMMA: Em 1993 quando decide entrar na escola de música, já tinha em mente um estilo que queria seguir, ou teve influência dos professores?

 

JSF: De todo… Aliás, nunca me colei a um único estilo, tanto que estou envolvido em projectos de blues, rock, electrónica e música tradicional portuguesa.

Na escola, tive a oportunidade de abordar e estudar vários estilos, com maior incidência no jazz, no blues e no rock. O contacto com os professores e com outros alunos, fez o resto.

 

AMMA: Como se deu o início à sua carreira profissional em palcos com os grandes músicos portugueses? De início ficou nervoso, estava tranquilo?

 

JSF: Devia ter uns 16/17 anos. Por brincadeira comecei a tocar nos Trovadores e o Fernando (dono) começou a pagar-me um pequeno cachet para o acompanhar (acho que às terças feiras), daí até me cruzar por lá com músicos dos Trovante, Quinta do Bill, Quadrilha, com o próprio Rui Veloso, entre muitos outros, foi um pequeno passo.

 

AMMA: Com qual deles teve mais presenças? Correram várias salas de espectáculos em Portugal, chegaram a fazer espectáculos no estrangeiro?

 

JSF: Portugal é um país pequeno e facilmente corremos as salas mais importantes com um artista.  Este ano, por exemplo, estava preparada uma mini tour em Itália e no Brasil, com Max Costa & the Big Fat Blues que entretanto foi adiada, pelas razões que todos conhecemos.

 

AMMA: Quando se dedica à produção de espectáculos e à fotografia, deixa os palcos. Foi uma mudança significativa na sua actividade. Como era dividido o seu tempo por duas tarefas completamente diferentes ligadas à actividade musical?

 

JSF: Ambas as actividades muitas vezes acabavam por se complementar. A fotografia, tendo formação na área de fotografia de espetáculo, para mim era uma mais valia e mais um serviço que a empresa fornecia.

 

 

AMMA: Como nasceu a UpMusic Talents? Os primeiros passos ainda foram complicados, ou já tinha bases sólidas para levar o projecto em frente?

 

JSF: A UpMusic Talents, nasce ainda sob o nome de Upstage Produções. Nunca é fácil arrancar com um projecto destes “a solo”, mas ao fim de anos a trabalhar na estrada para terceiros, senti que era o passo natural a dar.

 

AMMA: Mesmo com as funções de Director Artístico e Director de Produção da UpMusic Talents continua a pisar palcos com diversos nomes da música portuguesa e mesmo internacional. Que projectos mais interessantes lhe surgiram nesta época?

 

JSF: Sem dúvida que terei que destacar a artista israelita Chen Liony. Apesar de ter estado mais focado na produção do álbum dela e só mais tarde actuarmos juntos, foi um verdadeiro desafio. Não só porque tive a oportunidade de trabalhar com o Jorge Palma, para mim um dos génios da música em Portugal, e porque a cultura israelita é uma cultura muito diferente da nossa. Recordo-me de um espetáculo que demos para a comunidade israelita em que um dos temas finais era em hebraico. O tema era acompanhado só por mim, à guitarra e eu não percebia uma única palavra do que a Chen cantava. Foi um desafio interessante.

 

 

AMMA: Que instrumentos musicais toca neste momento e qual deles o seu preferido?

 

JSF: A minha formação é em guitarra, mas toco piano e baixo também. Obviamente que a guitarra é o que me preenche mais e no qual tenho uma “linguagem mais fluente”

 

AMMA: Em termos de guitarras, qual é a sua favorita (marca/modelo)?

 

JSF: Pergunta muito complicada… Se perguntarem a um guitarrista quantas guitarras precisa, a resposta mais comum é: Mais uma do que as que tenho. Claramente já fui mais ligado a marcas, até porque hoje em dia, há marcas “low budget”, com grande qualidade.

Ao vivo, dependendo do projecto posso pender mais para a Fender (telecaster e stratocaster) ou para a Gibson (Les Paul e 335), mas diria que a 335 está praticamente presente em tudo, dada a sua versatilidade. Noutros projectos uso Gretsch e Taylors, também.

 

AMMA: Do tempo que passa em estúdio versus o tempo de actuação em palco, qual é o mais exigente e desafiante?

 

JSF: Ambos têm os seus tempos de exigência e os seus desafios. Em estúdio, tudo tem que ficar perfeito, até ao mais pequeno pormenor. Já em palco, de tudo pode acontecer e nem sempre está nas minhas mãos.

 

AMMA: Como é ser Director Musical de “Max Costa & The Big Fat Blues” e “Madrediva”? São dois projectos muito diferentes entre si?

 

JSF: Madrediva é projecto muito recente, nasce da ideia de se criar uma fusão entre o canto lírico, a música tradicional portuguesa e o fado. Exige alguma pesquisa e cuidados nos arranjos. Com os Big Fat Blues, a linguagem que o Max aborda nos seus temas, permite-me dar asas à imaginação, inclusive às vezes compomos em parceria, o que me parece resultar bastante bem, uma vez que falamos a mesma linguagem. O Blues é universal e neste caso, transatlântico, uma vez que junta o Brasil e Portugal no mesmo projecto.

 

AMMA: Assumir a Produção destas duas bandas, com as outras emque também é músico, em tempos normais (fora da pandemia) preenchem-lhe o seu tempo por inteiro?

 

JSF: Não, de todo. Tem de sobrar tempo para gerir a UpMusic Talents que não produz só espetáculos, mas também eventos, como o Baile Veneziano, ou a Gala Glamour & Solidariedade, por exemplo, que são eventos anuais.

 

AMMA: Como estamos em tempos de pandemia, a cultura também está “muito doente” tendo muitas pessoas a passar maus bocados. Como é que os artistas e as suas equipas conseguem sobreviver financeiramente com as actividades paradas há tanto tempo?

 

JSF: A palavra é mesmo sobreviver… Sinceramente não sei, como todo este sector tem sobrevivido… Muitos, venderam instrumentos, outros ficaram sem as suas casas e regressaram a casa dos pais… Outros contam com ajudas de amigos e de iniciativas privadas de instituições como a União Audiovisual, por exemplo. Mas se chegarmos ao fim disto, não foi com certeza com a ajuda do governo…

 

AMMA: Os trabalhos de estúdio, desenvolver temas, ensaios e gravação de discos também têm estado parados?

 

JSF: Se a parte técnica  está parada, a criatividade não pára. Não é uma pandemia que nos vai impedir de compor e criar novos temas, felizmente.

 

AMMA: Antes deste actual confinamento, a lotação das salas de espectáculos já estavam com a capacidade reduzida, seguindo as regras da DGS. Em salas mais pequenas cuja lotação não dava para abrir portas a um espectáculo só com público, houve artistas a fazer streaming, ou a vertente mista com público e streaming. Como prevê que seja o futuro da cultura após pandemia, o streaming veio para ficar como complemento financeiro à bilheteira da lotação da sala?

 

JSF: Do meu ponto de vista, acho complicado que seja um complemento de bilheteira. Até pode ter vindo para ficar, como uma forma de divulgação “live” do trabalho dos artistas, mas não pode, nem deve, substituir a experiência de assistir a um espetáculo ao vivo.

 

AMMA: O Canal Johnny Guitar surge em que altura? Qual foi a ideia principal ao criar este ponto de contacto com os fãs e o mundo da cultura?

 

JSF: O Canal Johnny Guitar, surge precisamente no inicio desta pandemia como uma maneira de tentar manter viva a chama da Cultura, de alguma forma. Surge também para nos manter a mente ocupada lá em casa, uma vez que havia tempo livre a mais logo no inicio da pandemia.

 

 

AMMA: O programa Brainstorm é o ponto chave do canal?

 

JSF: O Brainstorm, complementa um pouco a ideia de divulgarmos de alguma forma  a cultura e os nossos artistas, nesse sentido acaba por ser muito importante para o canal, sim.

 

AMMA: A UpMusic Talents tem uma ligação ao projecto União Audiovisual que apoia artistas e pessoal da cultura carenciados. Como é que surgiu esta ligação? Que curiosidades já tiveram na vossa ligação a esta causa?

 

JSF: Não é diretamente a UpMusic Talents, mas sim o Canal Johnny Guitar. Através do nosso canal, conseguimos fazer algumas parcerias que nos permitiram angariar bens alimentares que têm sido entregues regularmente à UA. Paralelamente a isso, a equipa do Canal Johnny Guitar, acaba também por se juntar aos muitos voluntários da associação.

 

AMMA: Quando a pandemia passar, o mundo será diferente em muitos aspectos, mas alguns serão idênticos ao passado. Que conselho gostava de deixar em especial aos jovens músicos e às chamadas bandas de garagem (que passam todos por muitas dificuldades) para que consigam levar os seus projectos para a frente sem os deixar morrer?

 

JSF: Nunca a música foi um negócio fácil. Se acreditam no vosso potencial e nos vossos projecto dêem tudo o que têm e não desistam. Vão à luta, mostrem a vossa música, batam à porta das editoras, dos agentes, sejam persistentes.

Podem ter a certeza que mais cedo ou mais tarde vão ser recompensados.

 

Texto e Fotos: Pedro MF Mestre

 

 

Pedro Mestre, a viola campaniça e o cante alentejano

 

Hoje vamos conhecer o músico e cantor Pedro Mestre, impulsionador da viola campaniça e do cante alentejano.

 

Para os nossos leitores é curioso que o Pedro MF Mestre esteja a entrevistar o Pedro Mestre. Temos o mesmo nome, somos pessoas diferentes, com ofícios diferentes, contudo agora estamos a trabalhar em conjunto para que fiquem a conhecer melhor este músico e o seu trabalho.

 

Pedro Mestre tem origem em Castro Verde, Aldeia de Sete, e desde cedo se dedicou à cultura tradicional alentejana de modo a não a deixar cair no esquecimento, fazendo renascer e perpetuando a viola campaniça assim como também a associá-la ao Cante Alentejano, hoje em dia considerado  Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.

 

Pedro teve como mestres neste instrumento musical, Manuel Bento e Francisco António.  Além de a interpretar e ensinar, também se dedica ao seu fabrico. Perante um olhar menos atento é parecida com uma viola clássica, mas quando se aprecia o seu desenho notamos as diferenças. A primeira delas são as suas 10 cordas de aço sendo que a clássica tem seis de nylon. As suas linhas também têm uma curvatura mais suave e delgada. O seu som e o modo de tocar é completamente diferente. Este instrumento musical tem algumas referências escritas datadas 1916. A sua história está circunscrita ao uso na chamada zona “Campo Branco” que compreende Aljustrel, Ourique, Castro Verde, Almodôvar e  parte do concelho de Odemira. Embora também haja referencias à mesma em Beja e Serpa. Esteve com más perspectivas na sua continuidade tendo em conta que no final dos anos 80 somente existiam dois mestres da mesma, os professores de Pedro Mestre.

 

Este artista pegou nela e fez o milagre da sua difusão e a englobar em vários projectos dos quais ele faz parte em conjunto com o Cante Alentejano.

 

Com um vasto currículo e participação em muitas actividades, há uma que merece um especial destaque. Desde 2006 desenvolve o “Cante nas Escolas” onde ensina a música tradicional alentejana a alunos das escolas do 1º Ciclo do ensino básico. Esta acção já tem dado frutos práticos como por exemplo o Grupo Coral Juvenil de Almodôvar e o Grupo de Cante Juvenil de Vila Nova de São Bento formados por alunos através a sua influência.

 

O Pedro Mestre está a mostrar a Portugal e ao estrangeiro a tradição musical da Planície Dourada, com várias participações ao vivo e através da sua discografia, que desde 2006 conta com nove álbuns editados sendo o mais recente "Mercado dos Amores" lançado em 2019.

 

Vamos conhecer melhor o artista Pedro Mestre e a sua valência no mundo da Viola Campaniça e do Cante Alentejano.

 

AMMA: Como entrou no mundo da música tradicional alentejana? Teve alguma influência?

 

Pedro Mestre: Sim, desde muito cedo tive a influência dos meus pais, dos meus avós, da aldeia de onde eu sou natural que é Sete como diz na introdução. Desde muito cedo comecei a ouvir os homens nas tabernas, na rua… embora tendo 37 anos de idade por vezes a maioria das pessoas da minha idade não tiveram a mesma vivência que eu, mesmo aqui da mesma região, mas como eu que desde muito cedo gostava e que apreciei todas estas questões ligadas à cultura e à tradição, valorizava os mais velhos, de os ouvir, gostava de estar presente nos ambientes e momentos de convívio, tudo isso foram influências a partir da aldeia, a partir da minha família, da minha mãe principalmente, do meu pai que a música faz parte da nossa vida, não enquanto músico mas como ouvinte e colecionador de gravações e registos sonoros da música tradicional. A partir daí eu começo a querer saber mais e começo um caminho de ir atrás daquilo que eu queria. Nesse tempo quando eu tinha 6, 7 ou 8 anos de idade tenho ideia disso, ouvia os homens na rua, ou saía à rua e ouvia os homens a cantar na taberna numa aldeia que teria na altura 400 habitantes, relativamente pequena, em que basta um falar mais alto que ouve-se,  e às tantas na taberna os homens cantando, 10 ou 12 homens, 4 ou 5 depende, e ouvia-se o cante por toda a localidade e eu ia atrás. O meu pai comprava uma cassete ou um disco de vinil e eu ouvia-o 300.000 vezes. É aí a base, penso eu, de toda esta minha paixão pela música tradicional, pelas tradições do Alentejo.

 

AMMA: Ou seja pelos 7 ou 8 anos?

 

PM: Desde que começo a ter memória de todas essas vivências. A minha mãe conta-me que cantava no berço para mim e para o meu irmão. Se saíamos ou estávamos em casa estava sempre um rádio a tocar, o rádio do carro sempre a tocar, todas essas vivências influenciaram.

 

AMMA: A continuidade da viola campaniça esteve ameaçada, tendo somente dois mestres nos anos 80. Como conseguiu inverter essa tendência? Quantos artistas temos neste momento a tocar este instrumento?

 

PM: Pelos 9, 10 anos de idade frequentei um coral infantil em Castro Verde. Só para o situar na altura, na aldeia estudava até ao 4º ano e depois a partir do 5º ano tínhamos que nos deslocar todos os dias para a sede de concelho que é Castro Verde a 17 ou 18Km por aí, e depois de eu ir para Castro Verde fui para uma turma onde havia alguns colegas que frequentavam o Grupo Coral Infantil, “Os Carapinhas” que ainda existe e que sabendo que eles cantavam lá, e eu gostava bastante, pedi para se era possível entrar neste grupo que eu já conhecia através da rádio local assim como também a viola campaniça. Eu tomo conhecimento da viola campaniça precisamente nessa altura quando eu vou para este grupo coral e infantil. Ouço a viola campaniça através da rádio, num programa da rádio local, que também ainda existe desde meados ou finais dos anos 80, nessa altura passavam na rádio um vinil do Dr. José Alberto Sardinha  com a viola campaniça precisamente com os últimos mestres tocadores. Aqueles que mais se destacavam eram aqueles que eu depois tive a oportunidade e o privilégio de conhecer e aprender a tocar a viola campaniça, o mestre Manuel Bento e o mestre Francisco António, eu trato-os por mestres por mestria por os considerar uns conhecedores da arte. Inicialmente, ouço a viola campaniça na rádio, tinha uma sonoridade que me fascinava, depois quando estava nesse coral infantil estamos a falar com 9 ou 10 anos de idade, eu nasci em 1983, e então em várias actuações que fazíamos por todo o concelho e não só, por vezes acontecia os dois grupos que pertenciam à mesma cooperativa que é a Cortisol (Cooperativa de Informação e Cultura), e o nome de uma ave aqui da região, onde também tem a Rádio Castrense, e existe para trabalhar também a cultura local desde os grupos corais, o artesanato, museus e por aí fora. Então por várias actuações que fazíamos em conjunto eu queria sempre conhecer mais sobre os tocadores, sobre os mestres, embora sendo uma criança não davam muita atenção, aquela situação que o que é que ele quer, não era bem entendido, mas há uma altura em que eles dizem que os jovens e as crianças não têm interesse em aprender a tocar a viola campaniça, que na verdade consideram um instrumento em desuso, um instrumento que está a desaparecer e que com a morte deles, com o desaparecimento destes dois tocadores, corremos o risco desta viola ou a técnica de tocar estas violas se perder. É aí que eu vou para casa e confronto a minha mãe dizendo-lhe que queria mesmo muito aprender a tocar a viola campaniça. Para além de ser um instrumento que eu gostava, era também uma sonoridade e uma vivência que para mim iria dar muito gozo estar na presença destes senhores e conviver com eles. Às tantas começo a aprender a tocar viola campaniça com o Sr. Francisco António, que é tio do Manuel Bento, embora mais novo. Depois quando eu começo a tocar com eles, poucos meses depois eu começo a tocar e a fazer apresentações com eles, indo à Rádio, indo a salas de espectáculos… o que é certo é que eu vou crescendo enquanto pessoa e eles vão ficando mais velhos eles vão atingindo uma idade que já não tinham assim grande vontade de sair e passa a ser o contrário, passo a ser eu a estimular estes homens para tocar para poder sair a mostrar a viola campaniça e portanto a partir dai as coisas começam a ganhar outra dimensão e eu começo a ter uma responsabilidade diferente, que na verdade eu não sentia dessa forma, que eu fazia-o com uma grande vontade e gosto e entusiasmo porque ganhei uma confiança tal, um à vontade tão grande com eles, passando a ser pessoas da mesma família começamos a ter uma cumplicidade uns com os outros e às tantas eles diziam que era uma grande satisfação e um enorme gosto e era a luz ao fundo do túnel o facto de eu ter aprendido a tocar com eles, que era uma esperança de o instrumento não se perder. E é ai, respondendo à sua questão, que toda esta dinâmica criada em volta da viola campaniça que se inicia. Em que vamos para festivais fazer workshops de viola campaniça, começamos a desenvolver aulas do ensino da viola campaniça aqui na região, aulas privadas em nossas casas, em que tínhamos a dificuldade de ter violas, passamos a ir buscar violas a Braga porque havia um construtor, havia e ainda existe o Domingos Martins Machado, em Tubosa, perto de Braga, o homem que fez o museu dos cordofones, das violas tradicionais portuguesas e onde a partir do livro dos cordofones portugueses de Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira ele tomou conhecimento da viola campaniça e começou a construir. Nós tomámos conhecimento que esse senhor construía violas campaniças e comprámos algumas. Algumas aproveitámos porque a sonoridade é muito genuína portanto tínhamos uma grande dificuldade em ter violas. Então era difícil ter alunos se não tínhamos violas para as tocar.

 

 

AMMA: O Pedro também é construtor deste instrumento musical. Aprendeu essa arte com estes mestres ou teve outra escola?

 

PM: Nessa altura fomos à procura de violas antigas que pudessem existir na região com estes dois mestres, que eles sabiam que no lugar X havia uma viola e a família é esta e aquela e encontrámos várias violas antigas, completamente degradadas e tentámos restaurar e é aí que aparece um outro senhor que é Amílcar Silva que era um homem também com muita habilidade nas mãos e trabalhava a madeira e entretanto ele reformou-se e por sua autoria e com a influência da Rádio, ele ouvia muito a Rádio, tinha memória que o pai dele tinha uma viola, tocava e acompanhava os cantos de despique e ele decidiu fazer uma viola. E a partir daí em conjunto com o mestre Manuel Bento, com o mestre Francisco António e um outro senhor que despertou curiosidade na aprendizagem do toque chamado António Bernardo. E com este grupo de pessoas conseguem-se juntar e reunir um conjunto de violas antigas e a partir daí começam a ser construídas violas aqui na região. O senhor Amílcar com mais disponibilidade, com melhores condições começa a construir e eu a par de toda essa gente também comecei a desenvolver a construção, a tirar experiências pelas violas antigas, a tirar experiências pelo conhecimento dos mestres e em conjunto a coisa ia acontecendo e surgiram uma série de violas embora não tão perfeitas como nós desejaríamos, não tão próximas da tradição. Mais tarde é que conseguimos chegar áquilo que era na verdade a viola antiga, ou as novas violas próximas das violas antigas em termos de madeiras, de qualidade porque durante muito tempo o Sr. Amílcar foi fazendo experiências, foi criando instrumentos até apurar. Depois essa parte, para nós, deixou de ser uma preocupação, porque a dada altura nós divulgámos esta actividade e outros violeiros, construtores de instrumentos de corda em Portugal, começam a vir ter connosco e a querer saber como fazer a viola campaniça e com base naquilo que era o nosso estudo dos moldes e do instrumento em si, instrumentos antigos, uma série de construtores em Portugal passaram a construir e hoje é uma realidade que para nós já não nos preocupa porque temos provavelmente uma dezena de violeiros que estão a construir a viola campaniça de uma grande qualidade, instrumentos, alguns deles muito próximos do que é a viola antiga e a construção deixou de ter essa preocupação que na altura tínhamos e agora há violas por todo o lado. Hoje não tenho noção da quantidade de pessoas que tocam a viola campaniça. Se em 2009 fizemos o encontro de tocadores de viola campaniça  e conseguimos reunir, salvo erro, 32 tocadores de viola campaniça da região e não só. Nessa altura em 2009, relativamente há pouco tempo, conseguia-se saber que existiam 32 tocadores. Quando eu comecei a tocar no início dos anos 90 havia estes dois, havia mais um velhote ou outro que já não tocavam, mas eram tocadores porque ainda eram vivos, e foram surgindo todos esses. Hoje não sei precisar quantos são porque muitos desses começaram a ensinar, tantos outros começaram a tocar e a explorar o instrumento, músicos de outras vertentes culturais, e a viola campaniça na técnica tradicional que acaba por oferecer a possibilidade de cada um explorar os seus conhecimentos, explorar o instrumento e às tantas, hoje a viola campaniça é um instrumento que está a ser bastante tocado, aquilo que poderá estar em extinção ou aquilo que poderá precisar de se fazer algo mais para que não se perca, é a técnica tradicional. Quer queiramos, quer não, este é um instrumento que para ele ter aquelas características, aquela sonoridade que tem, aquele tipo de timbrado que o instrumento tem, aquele dedilhado, é preciso que respeitar uma série de questões quer desde a construção do instrumento, as próprias madeiras, o formato do instrumento enquanto uma caixa de ressonância, os bojos a cintura, o comprimento da corda vibrante, à escala, todas essas características têm que se manter para que se possa dizer que na verdade este instrumento que eu fiz, é uma viola campaniça.

 

AMMA: Como é a construção dela? Que aspectos técnicos mais relevantes tem de diferença em relação à guitarra clássica?

 

PM: Bem, é um cordofone, é uma viola, tem uma caixa de ressonância, tem uma escala, um braço, uma cabeça, tudo isso são semelhanças. Agora a campaniça difere no sentido que é um instrumento mais pequeno, um instrumento com os bojos mais acentuados, mais redondos, a cintura muito apertada e que obedece a uma dimensão padrão entre os dois bojos, o bojo superior e o bojo inferior e a cintura, que é o que divide os dois instrumentos. Então em termos estéticos percebemos que é completamente diferente. É um instrumento basicamente em formato de oito. A guitarra já é mais um formato de pera, um formato em que a cintura é larga. O mestre Manuel Bento até dizia que na verdade a viola campaniça, quem a criou deve de se ter inspirado numa menina delicada, de cintura delicada, porque ela é toda muito feminina. E depois tem a escala rasa que é nivelada com o tampo da caixa, a guitarra clássica,  o violão e a viola de fado são de escala sobreposta e a campaniça é de cordas duplas, cordas de aço, a guitarra na maioria dos casos são de nylon mas também  existe de 12 cordas, mas a campaniça tem estas características.

 

AMMA: Quando diz cordas duplas, significa que a mesma corda tem o mesmo afinamento? Com 10 cordas temos 5 afinamentos?

 

PM: São duas cordas que funcionam em ouriço, temos 5 afinações com 5 tons diferentes com 10 cordas. Elas funcionam duas a duas sendo que os bordões têm uma corda em aço, o par do bordão é uma corda em aço, afinada uma oitava acima assim como o último bordão, o mais grave, tem uma corda em latão também afinada uma oitava acima.

 

AMMA: Do género das guitarras country americanas com corda dupla?

 

PM: Sim, género das guitarras country americanas, género da guitarra portuguesa, da viola caipira e de tantas outras violas tradicionais que têm cordas duplas e que os bordões são sempre acompanhadas por uma corda em aço que afina uma oitava acima.

 

AMMA: Há uma grande procura pela viola campaniça por parte de estrangeiros? Ou seja de Portugal já disse que sim, mas do estrangeiro vêm ter convosco para fazer encomendas?

 

PM: Sim há muita gente a procurar a viola campaniça por todo o país e por todo o mundo quase a bem dizer. Se por acaso pensarmos que por exemplo no Brasil a viola campaniça teve um grande destaque por um trabalho que eu desenvolvi com uma parceria com um músico brasileiro que é o Chico Lobo, e que com o nosso encontro de violas de arame e a mostra internacional de violas de arame que acontece no Brasil, temos dado destaque ao instrumento e a viola campaniça. Segundo dizem as fábricas de construção de instrumentos e os violeiros, é das violas que mais procura têm, e eu também tenho essa noção porque muitas pessoas vêm ter comigo para comprar violas, eu também vou fazendo algumas inclusive com esta questão da pandemia voltei a trabalhar na construção, estou juntamente com o Sr. Daniel Luz que é outro violeiro que surge aqui na região em S. Teotónio, o Sr. Daniel Luz que começa também a construir cordofones e a dedicar-se à viola campaniça. Os dois estamos a leccionar uma formação de construção no Centro de Valorização da Viola Campaniça e do Cante de Improviso em S. Martinho das Amoreiras, que é uma escola, é um espaço cultural dedicado a esta arte da viola campaniça: do cantar, a viola campaniça, do cante alentejano e o cante de improviso que é uma forma de cantar que a viola campaniça sempre acompanhou. Esse Centro de Valorização do qual eu também sou coordenador e neste momento estamos a dar formação da construção nesse espaço.

 

AMMA: Então a procura é grande?

 

PM: Muito, tem muita procura o instrumento para se tocar, o instrumento que muitas das pessoas da região e nem só, procuram o instrumento porque é um instrumento bonito e fazem questão de ter um instrumento destes. O que é certo é que a viola campaniça e os cordofones portugueses nestes últimos 10 anos têm-se afirmado bastante. Isso é muito bom para nós e é muito bom para a nossa cultura, porque não podemos esquecer que Portugal é um país rico em cordofones. Simplesmente os nossos governantes, dirigentes culturais, não os valorizam. Infelizmente é assim.

 

AMMA: Ou seja, não têm o seu devido reconhecimento?

 

PM:  Não tem o devido reconhecimento seja ele qual for o instrumento tradicional, seja ela qual for a cultura que se faça não tem o devido reconhecimento infelizmente.

 

AMMA: Em média qual é o investimento que um aluno tem que fazer para começar as suas aulas?

 

PM: Nós aqui no Centro de Valorização achamos que por bem deve ser uma oferta, que embora não tenha sido assim o meu início, mas achamos por bem que deve ser uma oferta e as aulas são gratuitas. Este Centro de Valorização que funciona a partir de um consórcio onde a Câmara Municipal de Odemira lançou o desafio à Associação para o Desenvolvimento de Amoreiras-Gare à Junta de Freguesia de S. Martinho das Amoreiras, à Casa do Povo de S. Martinho das Amoreiras e disponibiliza estas aulas. À partida os instrumentos são emprestados, temos uma colecção de instrumentos que usamos para leccionar. Os alunos, alguns deles frequentam a formação de construção e começam por construir o seu primeiro instrumento. Assim como também há um espaço de tempo de aulas de experiência que os alunos precisam de ter. Porque um instrumento destes é um investimento que nem sempre é possível para as pessoas adquirirem um instrumento que depois acabam por não dar utilidade se não tiverem desempenho no toque do mesmo. Então há ali um espaço de tempo que a pessoa precisa de ter experiência para, e sim nós emprestamos o instrumento e a pessoa pode até levar para casa e  acabam na maioria sair tocando o instrumento e adquirindo o instrumento. O instrumento de iniciação é mais barato.

 

AMMA: Um instrumento fica para que valores?

 

PM: A relação qualidade /preço com os acessórios que possa ter, uma bolsa para transporte, afinador, poderá andar à volta dos 400€ que é um instrumento para iniciação já de qualidade. Embora depois a qualidade não tenha limites.

 

AMMA: Voltando um pouco atrás, diz que tem cada vez mais tocadores, mas tem no fundo algum receio que corra o risco de desaparecer ao longo das gerações ou acha que a continuidade que está a ser dada permite manter durante essas gerações?

 

PM: Nós estamos numa época em que está na moda que aquilo que é das tradições, principalmente aqui no Alentejo, a música da tradição, o cante e a viola campaniça, estão na moda. Agora o que está a acontecer que pode colocar em risco é esta necessidade e uma ambição desmedida de querer ser diferente. De querer fazer melhor e de competição. Que é aquilo que me preocupa é quando vejo os jovens a competir sabe-se lá com quem, mas em competição, porque sente-se isso, e tentar fazer diferente, a deturpar o que quer que seja o cante, a viola campaniça, a técnica de execução da viola campaniça. As formas que existem, as diferentes formas de colocação da voz no cante, por toda a região e a juventude está precisamente a deturpar tudo isto.

 

AMMA: Ou seja o risco é a deturpação. Não o número de pessoas a interpretar mas sim a deturpação da originalidade?

 

PM: Sabemos que quantidade não significa qualidade, seja naquilo que for. Seja enquanto cantadores seja enquanto tocadores de viola campaniça e hoje, provavelmente contra mim falo pois no início de toda esta situação quando começo a tocar a viola campaniça com os mestres, a nossa intensão era reunir quantos mais melhor. Interessados só que fosse para nós já era muito bom. Porque às tantas nós fomos criando aqui uma outra questão. Fomos educando o público para esta sonoridade. Porque muitas vezes eramos confrontados por músicos, por pessoas conhecedoras da música e de outros cordofones que nos diziam que na verdade o instrumento estava desafinado. “Mas como é que vocês conseguem tocar um instrumento desafinado?”, “Como é que é possível insistir numa coisa em que isso não funciona?”, eramos confrontados com este tipo de questões. Na verdade na região havia ainda memória e ainda estava lá no subconsciente das pessoas esta sonoridade. Tanto que a partir do momento que ela começa a ser tocada por toda a região, a região identifica-se com ela. As pessoas têm memória de ouvir falar de uma viola, e existem registos do século XIX e XVIII por aí, há registos quer em tablatura quer em áudio, quer em matérias de edição, há várias revistas que fazem referências à viola. Porque na verdade a viola do Alentejo passa a ser chamada de campaniça recentemente, com essa recolha dos cordofones, do livro dos cordofones portugueses, a partir daí é que o instrumento é chamado de campaniça, os mestres não a tratavam assim, tratavam-na por viola, não havia mais nenhuma, aquela era a viola. Aqui nesta região tinha estas características, se formos ver uma recolha do Giacometti, onde ele fala com um construtor que até é da freguesia de S. Martinho das Amoreiras, ele fala com o construtor e pergunta-lhe se esta é uma viola campaniça e ele diz que “é uma viola, é cá do campo, por isso é campaniça”. “É uma viola que é cá do campo” porque o nome campaniça deriva do campo e também de uma determinada região aqui do Baixo Alentejo que é região campaniça, assim como depois a outra região é a margem esquerda do rio Guadiana, a outra é a terra de barro, a outra é a Serra, o Alentejo divide-se aqui por estas designações e diferentes áreas quer da forma como é laborado geograficamente o território: mais plano, mais de encosta arraiana com Espanha e assim como a zona da serra e o tipo de terra, daí que é o barro, o campaniço, a serra, a margem esquerda e o litoral. Divide-se assim nestas designações a região. E às tantas o senhor responde que: “é uma viola, é cá do campo, sim também pode ser campaniça.” O Sr. Manuel Bento diz que o seu pai dele nunca tratou aquela viola por campaniça. Tratou-a sempre por viola.

 

AMMA: Então foi nessa altura com Michel Giacometti que começou a ser designada por campaniça?

 

PM: Provavelmente por Michel Giacometti, ou já haveria algum registo da viola por nome campaniça por exemplo por Armando Leça, que aparece uma pequena referência a esta viola de campaniça. Não sei precisar ao certo em que ano é que poderia ser, mas tudo o que há daí para trás, a referência feita e o nome dado ao instrumento do Alentejo é de viola. Somente viola

 

AMMA: Em 2006 começou a ensinar aos alunos do 1º Ciclo a música tradicional alentejana. Qual foi a reacção dessas crianças? Eles aderiram logo? Teve algum desafio interessante a ultrapassar?

 

PM: Sim, é porque na verdade nessa altura, há relativamente pouco tempo, era uma altura em aquilo que é nosso ninguém valorizava e em localidades que não havia movimentação cultural nenhuma, como por exemplo não havia grupos corais, não havia eventos que tivessem música local e de cultura local era bastante difícil e muitos dos meus alunos nessa altura desconheciam completamente o que era música local, música tradicional, porque a influência da televisão, a influência das rádios e a influência da Internet combatia cada vez mais este tipo de realidades culturais e os desafios que eu tive foram alguns, porque os meus alunos não tinham noção e aqueles que tinham viam-no como algo que era depreciativo, como por exemplo situações que durante muito tempo no Alentejo não era permitido cantar nas tabernas, houve uma altura que não era permitido cantar na rua até certa e determinada hora, não era permitido cantar nas tabernas depois das tantas horas. Mas há uma altura, que foi a última fase do cante antes da classificação da Unesco, há uma altura em que o cante é visto como algo depreciativo, algo que não é de interesse e não beneficia a uma casa de comércio alguém cantar dentro desse espaço, porque era considerado que estaria embriagado, alguém que não estaria no seu juízo perfeito. E sim, eu tinha muito essas situações de que por exemplo tenho ciente um aluno que me respondeu que na verdade “Ah o meu pai às vezes canta umas coisas mas é quando está bêbado”. Lá está “é quando bebe uns copinhos a mais e depois canta e não gosto muito quando ele faz isso.”

 

AMMA: Ou seja estava associado ao movimento mais das tabernas e vendas, como são conhecidas no Alentejo.

 

PM: Das tabernas, vendas e até mesmo nos cafés. Quando começam a deixar de existir tabernas e passam a existir cafés, que na verdade passou a ser um espaço mais moderno, um espaço mais cuidado em termos de aspecto, aí sim é que era mesmo proibido. O dono da casa expulsava, punha na rua qualquer pessoa que começasse a cantar.

 

AMMA: Também foi uma estratégia sua para que eles começassem logo de pequeninos ligados à música alentejana?

 

PM: Sim, eu como lhe disse, já cantava nos grupos corais, saio do grupo infantil para o grupo de adultos de homens, grupos com grande peso como por exemplo os Ganhões de Castro Verde, e começo a fundar grupos corais pelas aldeias aqui da região, vilas até aqui da região, formar novos grupos corais. Nesse ano de 2000, surgiram vinte e tantos novos grupos corais aqui na região. A faixa etária era alta, dos elementos destes grupos corais. E então a preocupação e a minha ideia passava por se nós já perdemos esta forma de ser e estar em casa com os nossos familiares, de fazer serão de contar histórias e ouvir histórias, de ouvir os nossos pais e os nossos avós, se já perdemos toda esta forma de estar e de viver, e então não há espaço e muito menos oportunidade para se aprender este tipo de história e de cantes e de violas e tradições. Então precisamos de fazer alguma coisa que é ir até onde estão os jovens e o 1º Ciclo nessa altura em 2006 começa com o programa de enriquecimento curricular que se chamadas as AEC’s em que tinha a expressão musical e nessa expressão musical surgiu a oportunidade, num encontro que tivemos em que falávamos sobre a música tradicional, falávamos sobre o que fazer para com esta questão da música tradicional não ter interesse pelos mais novos, eu fui convidado e apresentei essa minha ideia, o meu projecto que devíamos ir até às escolas, e estava presente uma vereadora da Câmara Municipal de Almodôvar que tinha um horário por completar, por entregar de música, lançou-me o desafio de eu leccionar naquele horário dos alunos do concelho. Para mim foi uma excelente oportunidade.

 

AMMA: Foi o ponto de partida?

 

PM: Foi o ponto de partida para mim, para o cante alentejano, para a região e para uma série de pessoas que a partir daí durante alguns anos, 5 a 6 anos depois começam a surgir outros cantadores, pessoas novas também ligadas ao cante, a poder e a querer dinamizar esta actividade fora de portas, noutros agrupamentos. Portanto o ponto de partida é em 2006 em Almodôvar, comigo no 1º Ciclo, depois eu vou iniciar essas aulas também em Serpa, o projecto ganhou uma dimensão enorme e outros municípios passaram a oferecer aos seus agrupamentos de escolas o cante, hoje também a viola campaniça no concelho de Odemira. Embora também eu como a minha intensão era puder estar com os mais novos e ter a oportunidade de falar para eles do cante e das tradições. Então não podia não levar a viola campaniça e de certa forma fui abordando duas temáticas que eram fundamentais. Que a viola campaniça ligada ao cante torna-o mais apetecível, torna-o mais encantador assim dizendo.

 

AMMA: Ter sempre as duas artes associadas?

 

PM: Sempre, porque elas sempre estiveram associadas. Elas só não estavam associadas e isso é uma teoria, que na verdade não é só teoria é uma realidade, que ao longo dos anos os defensores da tradição, os tradicionalistas foram entendendo e aceitando, porque a viola sempre existiu no Alentejo, e era de certa forma o instrumento que acompanhava nos bailes e assim como mais tarde surgiu as harmónicas, concertinas e por aí fora. Então durante uma série de tempo o cante teve o seu grande palco nos trabalhos no campo. Se por acaso alguém levasse uma viola campaniça para trabalhar no campo, num tempo da ditadura quem era o patrão que aceitava uma coisas dessas? “Você vem para aqui para trabalhar ou vem para aqui para tocar viola?” O cante, as gargantas não influenciavam, mas mesmo assim há histórias de cantadores que dizem que quando andavam a trabalhar, se alguém começasse a cantar o manager pedia logo para cantar uma moda mais rápida para ver se o trabalho avançava mais depressa. Ainda assim o ritmo da melodia tinha influência e mexia com o manager lá do trabalho. Então a campaniça nunca é levada para o trabalho, é um instrumento que tocava nas tabernas, as pessoas ao serão sim cantavam acompanhadas à viola campaniça, nos lugares em que a campaniça ainda existia acompanhava os cantares ao despique, é claro que sabemos que a viola entra em desuso ainda lá para trás nos inícios do século XIX, ela perde-se a partir daí, porque deixa de haver aqueles nómadas que eram trovadoristas, homens trovadores que andavam de feira em feira vendendo poesia,  que também eram poetas, levando novidades, notícias, levavam histórias de terra para terra, que levavam modas e composições deles provavelmente, que as pessoas depois ouviam durante a Feira de Castro que acontecia uma semana inteira de feira, as pessoas vinham para a feira e ouviam homem afamados que vinham diziam poesia tinham o dom da palavra e que usavam a palavra em rima para seduzir e cativar as pessoas. Contavam histórias de acontecimentos que houve em tal sítio e ficava tudo surpreendido e hoje há muita gente ainda a contar histórias que ouviram em feiras, modas que ouviram nos mercados, porque era assim que acontecia. Quando tudo isso se perde. A campaniça, a viola que andava com essa gente também se perde, também desaparece. Tanto que o último construtor que há registo aqui na região, foi esse que o Giacometti recolhe mas esse senhor já nada tinha que fazer. Porque ele a par da construção da viola campaniça também era abegão, também era homem que trabalhava as madeiras que fazia utensílios para as casas das pessoas, o mobiliário da altura e algumas peças ligadas à agricultura, como alfaias agrícolas e por aí fora e era o trabalho dele também. Ele mantinha uma coisa com a outra, que ele dizia que de vez em quando ele recebia uma ou outra para poder restaurar. De resto mais nada.

 

AMMA: Alguns desses seus alunos deram continuidade ao estilo musical tendo já grupos a dinamizá-la. Vocês continuam a trabalhar em conjunto ou eles estão a trabalhar totalmente autónomos?

 

PM: Às vezes a palavra trabalho pode levar aqui uma dimensão diferente da realidade. É que por muito que queiramos, ninguém consegue assumir esta actividade enquanto trabalho. Tenho alunos que foram meus alunos, já não o são hoje que cantam comigo em grupos corais adultos, que são grupos amadores. Depois outros alunos até que já estão a leccionar também cante nas escolas, já estão a ensinar noutros agrupamentos, assim como alunos de viola campaniça que tocaram comigo e que entretanto têm outros projectos deles musicais que fazem a vida deles, então desta nossa actividade há uma série de gente a integrar grupos corais jovens, que já são adolescentes, outros que já são adultos, que têm projectos criados e organizados por si e que têm uma vida bastante activa ligada a esta questão da música da tradição, que felizmente são agora o colher dos frutos das plantações que fizemos. Da semente que foi lançada, assim como também o público que nós conseguimos educar com esta nossa música. Por muito que queiramos a nossa intenção não é criar cantadores, com o projecto do cante nas escolas, é sensibilizar para com esta realidade. E é claro que depois de um grupo vasto de alunos, sim surgem alguns com muita qualidade, surgem alunos que acabam por se entusiasmar e dar continuidade a formar grupos, aprender a tocar a viola campaniça e fazer do instrumento um hobby que podem também ganhar a vida.

 

AMMA: Dos projectos que faz parte, a qual se dedica com mais tempo e empenho?

 

PM: Bem, eu dedico-me a todos os projectos que faço parte com algum tempo e muito empenho. Eu faço muita coisa ao mesmo tempo e acabo por deixar de igual modo essa divisão. Embora há outros que precisam mais da minha da minha dedicação que outros. Como por exemplo houve uma altura que o cante nas escolas mereceu muito o meu empenho, porque eu precisava de afirmar este projecto e que entretando foi-se afirmando e houve uma série de gente a juntar-se a ele e a coisa aconteceu. Noutra altura a viola campaniça precisava de ser tocada, precisava de se transmitir a arte e isso aconteceu. Entretanto agora dedico-me a conquistar o objectivo que qualquer um desses conquistou com o cante de improviso aqui na região, o despique acompanhado à viola campaniça. Também dedico-me com bastante empenho e que requer muito de nós o projecto do Centro de Valorização da Viola Campaniça porque através dele nós temos uma centena larga de alunos de várias faixas etárias “desde os 8 aos 80” e para nós é importante também motivar e estimular esta juventude para ter capacidade e aceitar que as diferentes faixas etárias possam estar juntas, envolver os mais velhos com os mais novos e vice-versa, porque são eles que são detentores e depois o mesmo projecto, que na verdade tudo isso é o meu projecto, mas o meu projecto a solo, aquilo que  neste momento pouco ou nada consigo fazer que são concertos em que subindo acima do palco conseguimos ganhar algum dinheiro, agora a carolice de andar com a viola às costas e estimulando este e o outro e motivando para que aconteça ninguém ganha dinheiro com isso na verdade. E às tantas para poder ter uma vida dedicada à cultura a 100% tem que haver alguma destas vertentes que nos dê sustentabilidade senão não conseguimos viver.

 

AMMA: No estrangeiro, como é que tem sido recebido? Há curiosidade por parte de espectadores que não tenham origem portuguesa?

 

PM: São quem conseguimos ter de maior curiosidade. São as pessoas que nos acarinham mais. Eu já fiz concertos no estrangeiro para comunidades portuguesas, já fiz concertos no estrangeiro para comunidades estrangeiras e sim chego à conclusão de que, sempre com bastante carinho pelos emigrantes portugueses e pelas comunidades portuguesas,  mas a capacidade de entendimento da cultura, o apreciar o nosso trabalho,  as comunidades estrangeiras são mais activas.

 

AMMA: Sobre o grupo internacional de tocadores de Violas de Arame, do qual faz parte, em que consistem as vossas actividades e quantas diversidades de instrumentos existem?

 

PM: Nós temos somente violas de arame. Embora depois as violas de arame elas dividem-se em várias. Viola campaniça, a beiroa das Beiras, a braguesa do Minho, a viola amarantina de Amarante, a viola dos Açores a viola da terra, Micaelense ou da Terceira; a viola de arame (é a única que mantém o nome), o rajão e o braguinha da Ilha da Madeira, o braguinha que é um cavaquinho mais pequenino,  e depois há as violas a caipira do Brasil, a viola fanangueira do Brasil, a sertaneja do Brasil e a rabeca brasileira que também faz parte desta nossa mostra deste nosso encontro de violas de arame. Embora depois há outras que nós no ano passado não fizemos o encontro por causa da pandemia, era para ter acontecido em Novembro de 2020, não aconteceu. Vai acontecer agora em Março a mostra internacional a partir do Brasil, a organização é no Brasil, a mostra vai ter três violas tradicionais portuguesas convidadas, e depois diferentes violeiros de viola brasileira.

 

AMMA: Têm tido muito intercâmbio entre vocês, desde espectáculos, gravação de discos? Chico Lobo com a sua viola caipira é um bom exemplo disso?

 

PM: Sim, desde 2006/2007 por aí, começa a parceria com o Chico Lobo onde resulta em 2007 um CD. A parceria, a junção das duas violas. Depois em 2010 um DVD em que mostra a cultura ligada a ambas as violas e depois tem um concerto nosso e depois temos feito várias coisas o encontro de violas de arame acontece o primeiro, que é no seguimento do encontro da viola campaniça com a caipira. A nossa intenção é estender e alargar este encontro e surge em 2009 o primeiro e daí para cá tem acontecido todos os anos uma ou duas vezes, em Portugal Continental, e até mesmo nos Açores. Há dois anos estivemos na Madeira, já tivemos três mostras no Brasil, e é a nossa intensão que a Norte de Portugal se possa abrir portas para este encontro, porque os encontros que têm acontecido em Portugal Continental têm sido somente a Sul, em que nós aqui com este movimento da viola campaniça tem dado destaque e tem sido parceiro com esta viola, embora a viola minhota, a viola braguesa e a viola amarantina também sejam parte integrante deste encontro mas o encontro ainda não aconteceu a norte do país, e nós gostaríamos muito que isso fosse acontecer. Que possa ser a organização que tem vindo até aqui, mas que se possa descentralizar e que quando ele se descentraliza o que acontece são as entidades locais que o financiam: municípios, associações e por aí fora… eu quero o encontro aqui na minha localidade então eu vou ter que procurar financiamento para ele ocorrer aqui. Estes encontros têm acontecido com financiamento dos municípios, como por exemplo aqui no Alentejo o encontro já aconteceu 7 ou 8 vezes com o apoio da Câmara Municipal de Castro Verde, com o apoio da Câmara Municipal de Odemira. São as Câmaras Municipais que pagam para este encontro acontecer. Não tivemos ainda um financiamento de mais entidade nenhuma. Nem de ministérios, nem da cultura nem de nada, nada… e na verdade nós fazemos cultura mas ninguém valoriza aquilo que nós fazemos.

 

AMMA: Quem tem tido mais interesse em apoiá-lo são os municípios?

 

PM: Estes municípios aqui do Alentejo, porque também têm alguma preocupação com a salvaguarda daquilo que é seu. Estes dois municípios quer Castro Verde quer Odemira têm interesse também na salvaguarda da viola campaniça, na promoção desta viola, na promoção destes cantares aqui da região, dos concelhos mais a Sul da região e são eles que investem para que isso aconteça. E dessa forma também o Centro de Valorização recebeu uma edição deste encontro de violas de arame e tem em projecto outra edição a de 2020 era para ter sido organizada pelo Centro de Valorização da Viola Campaniça. Não foi porque a pandemia não deixou. Este ano, a partir do Brasil, estamos a organizar a terceira mostra internacional, porquê? Conseguimos fazê-la porque é on-line. Estamos a organizar tudo isto e vai ser disponibilizado nas redes sociais, via Internet num site que está a ser elaborado para isso. Senão não conseguíamos fazer nada. E infelizmente ou felizmente que certos países têm despertado para apoiar a cultura mesmo que ela aconteça via on-line mas há essa preocupação, que as pessoas que fazem cultura, os músicos, os artistas, precisam de sobreviver. Principalmente dos que fazem cultura.

 

AMMA: Dos seus nove discos editados, qual foi o mais desafiante de compor?

 

PM: Estes dois últimos foram os mais desafiantes. Embora depois foi bastante motivante os discos com outras nacionalidades. Foi muito interessante essa parceria com o Brasil, muito interessante a parceria com o festival “Sete Sóis, Sete Luas”, na orquestra em que eu participo, onde eu entro e que origina um CD são de origem de Portugal, Espanha, Itália, Israel, Sudão e Croácia.

 

AMMA: Nestes tempos em que a cultura está mais parada devido ao Covid-19 conseguiu de alguma forma minimizar o impacto de estar fora dos palcos? Deu para arrumar ideias, fazer desenvolvimentos de projectos antigos que tivessem ficado em suspenso?

 

PM: Sim, sim. Temos aproveitado esta questão da pandemia para perceber que na verdade as coisas não são tão fáceis como pareciam e de certa forma agarrar projetos que estavam parados, desenvolver questões de composição de temas, fazer aqui uma reorganização do cancioneiro, naquele que é o meu cancioneiro, e aproveitar as novas tecnologias para fazer aulas on-line, entrar em contacto em conferência com colegas e  alunos para que possam de certa forma continuar a tocar, que não seja esta questão da pandemia um motivo de desmotivação.

 

AMMA: Relativo às aulas em tempos de pandemia, principalmente as crianças e os jovens estão preparados para ter aulas de música remotas? Como os seus alunos estão habituados a tê-lo em sala e estão eles em grupo também, presencialmente.

 

PM:Tem sido uma experiência que no início da pandemia não foi muito fácil porque o ambiente é outro, a distância da telecomunicação por vezes não funciona, não sei mas acredito que é preciso fazer um outro trabalho para preparar os alunos para este tipo de aulas, principalmente os alunos mais novos.

 

AMMA: Principalmente os do 1º Ciclo, das escolas?

 

PM: Sim, sim, as aulas acontecerem à distância como estavam a acontecer por exemplo aqui no concelho de Serpa, os alunos em ambiente de sala de aula e o professor entra via virtual, online, via videoconferência. Aí sim, os alunos estão ali no espaço e o professor não está, mas está em videoconferência. Os alunos, cada um em suas casas,  e é preciso fazer uma preparação para isso. Se for uma aula individual em que a aula é dada para um aluno somente, a aula funciona. Se for um grupo de alunos para a mesma aula, já não funciona. É preciso também fazer um trabalho apurado para que se consiga essa actividade on-line: a música, o som há aqui um delay que nem sempre funciona e por vezes depois desmotiva. Presencialmente o toque, agente coloca a mão e “faz assim”, “faz doutra forma”, e “vê aqui” e “estás a ver”… dificulta a observação do aluno, bem há uma série de coisas que é preciso estudar e preciso superar, tentar melhorar condições e vamos ver o que é que vai resultar. Só sei que para já tiro uma conclusão, uma série de grupos corais que estavam em actividade não voltarão a exercer funções. E isso é preocupante.

 

AMMA: Ou seja a pandemia já está a levar a esse ponto?

 

PM: A pandemia está a levar para que certos e determinados grupos corais que já funcionavam com alguma dificuldade provavelmente não vão voltar ao activo.

 

AMMA: Que desafios tem em mente para realizar após ser levantado o confinamento e que os artistas possam voltar aos palcos de uma forma mais ampla?

 

PM: Pois… eu não sei quando é que isso vai acontecer, era importante que fosse para já. Mas os desafios era para já tentar reduzir um pouco o número de pessoas em palco, por exemplo é uma preocupação que tenho tido, é tentar chegar com um trabalho novo, é tentar levar e esse é o maior desafio, levar a música que eu considero mais genuína aos palcos, porque até aqui havia muito entusiasmo por parte dos músicos e dos cantadores inovar. Fundir a música da tradição com a música mais erudita, com a música mais elaborada, com outros tipos de instrumentos e outros arranjos e eu estou a pensar fazer o contrário, é aproveitar toda esta motivação e entusiasmo e procura da música da tradição e o desafio é esse, levar a música como ela é na sua realidade cultural para os palcos. A viola campaniça a acompanhar o cante e ou cante por si propriamente dito. Porque se isso não acontecer, não é marcar a diferença, e eu se calhar estou a desvendar um segredo que poderia não o querer fazer. Vai marcar a diferença no sentido de que, até aqui a maioria das pessoas têm querido ser diferentes. Vou cantar acompanhado de um piano, vou cantar acompanhado de uma orquestra, vou fazer um arranjo para uma moda a solo e vou para a televisão. A minha preocupação é manter a origem. Manter a base que todas essas pessoas tiveram, mas que ignoram. Porque nós não devemos ignorar a base, nós não devemos nunca deixar de ter a fonte, porque se um dia a fonte secar, tudo o resto também não existe e a minha preocupação é precisamente essa. É continuar e levar para os grandes palcos, fazer ver que na verdade tem que ir para a televisão o que é o verdadeiro cante. Eu para ir para a televisão não tenho que fazer um arranjo, não tenho que criar uma orquestra para levar uma moda para a televisão. Eu tenho que ter a capacidade e de ser aceite na televisão com a moda como ela é, pura e dura. E só a partir dai a aceitação já não é a mesma. Mas a conquista maior é de conseguir conquistar público para nas grandes salas de espectáculos, saber querer e ir ouvir aquilo que é a música tradicional. Quando ela for bem feita e quando ela for cantada e apresentada com todas as regras que tem, ela tem tanta qualidade ou mais ainda que qualquer arranjo que possa ser feito.

 

AMMA: Como músico, que emoção sente num palco a dedilhar a sua viola ao peito e rodeado de vozes a entoar o cante?

 

PM: Bem, é uma emoção e é um entusiasmo, é um conquistar de objectivos, é uma série de sentimentos que se juntam que na verdade é ali que se percebe… como por exemplo eu levei os meus projectos a grandes salas como o CCB, como o Tivoli, como o Kennedy Center em Washington, como tantas outras salas enormes do país e nem só, no Rio de Janeiro e por aí fora. O facto de chegar a lugares deste género somente com uma viola campaniça a peito e fazer com que essa viola campaniça possa fazer o público vibrar, para nós é atingir uma conquista planeada lá muito atrás, um sonho tido lá muito atrás que é, se este instrumento se consigo estar a cantar esta realidade musical e cultural aqui, então eu estou a dar a conhecer ao mundo, porque qualquer uma dessas salas que recebeu a nossa música esgotou e quando uma sala esgota é na verdade existe algo que motiva as pessoas a ir e então o sentimento é de satisfação é de um orgulho enorme, não só por mim, mas por uma região uma recompensa aos meus mestres e uma satisfação enorme de conquistar público para aquilo que nós fizemos. É por isso mesmo que a minha intensão no futuro é precisamente continuar desta maneira. Mas sim nos mesmos passos culturais mas com a música e a cultura pura e dura.

 

AMMA: No final do dia o balanço destes desafios todos é positivo e vale a pena o trabalho? Sente que o seu esforço foi gratificante?

 

PM: Às vezes não. Às vezes fico a pensar se devo ou não continuar, porque muito que não queira, por muito que seja simples a nossa forma de estar, a minha maneira de estar e honesta, é importante sempre e é preciso o reconhecimento daquilo que se faz, e depois desmotiva quando nós queremos que se abram portas para espalhar aquilo que é nosso, e aqueles que deviam abrir portas, acabam por fechá-las. E perceber isso às vezes, chego ao fim do dia e apetece dizer assim: “amanhã já não faço isto”, “amanhã vou mudar de vida”, “amanhã vou fazer outra coisa”. Porque na verdade incomoda ver grupos corais com dificuldades, incomoda ver cantadores que estão cada um por si desmotivados com esta realidade, incomoda ver depois as redes sociais a vibrarem por uma deturpação do cante, as redes sociais a vibrarem por uma realidade que não é sua. E aquilo que está a acontecer hoje é deturpar o cante, deturpar a viola campaniça, não valorizar os mestres aqueles que são os detentores do saber, e pouco ou nada fazer para saber se estão ou não a funcionar os grupos corais. Então mais uma vez e uma vez mais percebo que na verdade a Internet ajudou o cante, a Internet ajudou a promoção e divulgação da nossa cultura e do cante, mas também tem o efeito perverso, em que aquilo que nós vimos na Internet não corresponde áquilo que é a realidade, e é “fogo de vista”, é simplesmente fantochada, não corresponde à realidade. E a maioria do que aparece aí e do que é dito nas redes sociais na televisão, nas rádios, na prática não é bem assim.

 

AMMA: Que progressão gostava ainda de ver na divulgação da viola campaniça? Mais alunos…

 

PM: Mais alunos, mais interesse no conhecimento daquilo que é culturalmente o instrumento,  menos ambição e egocentrismo por parte de toda esta movimentação que há para a viola campaniça e para o cante. Porque há aqui uma série de gente que só se sente bem, e só estão na viola campaniça porque querem ter protagonismo, porque usam a viola campaniça para poder ganhar dinheiro… então eu gostava ver muita gente a tocar a viola campaniça mas por paixão, por gosto aquela tradição e aquela arte, não com o objectivo de ser artista ter protagonismo e não com o objectivo de sim ganhar a vida a partir dali. É claro que é possível ganhar a vida tocando a viola campaniça porque os concertos são pagos, e quem faz concertos recebe por isso. Mas não devia de ser esse o objectivo que leva certas e determinadas pessoas a tocar a viola campaniça. Acho que devíamos respeitar mais a tradição e fazer tradição por gosto e paixão por ela e não por outro e qualquer tipo de interesse. Era isso que gostava de ver no futuro.

 

AMMA: O que gostava de dizer aos nossos leitores, aos que já conhecem o seu trabalho e aos que estão a conhecê-lo agora?

 

PM: Gostava de dizer que por vezes na verdade posso não ser bem entendido com a força das palavras, mas sou o mais sincero possível e dizer que para mim é a cultura que me move é as origens e a paixão que eu tenho por aquilo que é nosso que faz com que eu possa desde há uma série de anos dedicar a minha vida toda completamente à música da tradição e dizer que, sim a paixão por aquilo que é nosso,  eu primeiro aprendi a gostar daquilo que é meu e depois foi aprender a gostar daquilo que é dos outros.

 

Texto: Pedro MF Mestre
Fotos: André Roque

 

 

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sexta-feira, 9 de junho de 2023 – 01:48:04

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