Apenas um Fol(e)gosinho

Se me tivessem avisado que a aldeia de Folgosinho se situava nos mil metros de altitude, com certeza teria tomado as devidas providências e realizado um estágio de preparação nas Penhas Douradas (tal qual o Gueorgiou) ou assentado arraiais no “Albertino” uns dias antes (como um “berdadeiro”). Atleta que se preze, deve preocupar-se com o seu fôlego.

Ora, como no meu caso vivo ao nível e junto ao mar, as “alturas”, para além de me provocarem vertigens, têm sérias implicações na minha capacidade respiratória. Postas as coisas neste pé, não seria difícil adivinhar quais as consequências que resultariam para a prova do “berdadeiro”, quando andasse a vaguear pelos 4.700 metros do mapa de Folgosinho, no desenrolar da segunda jornada do Meeting de Gouveia.

Depois da intoxicação de “pedrolas” do dia anterior, sentia algum receio que a dose se voltasse a repetir e a minha azia não fosse aguentar. Bastava olhar em redor, para perceber que sobravam penedias, por tudo o que era encostas da vizinhança. Afinal e fazendo jus ao ditado popular, a “montanha pariu um rato”, porém só no que toca a pedras.

A etapa seria dividida em duas partes, começando com quinze pontos em floresta, a que se seguiriam mais oito, em percurso urbano, pelas vielas de Folgosinho. Para minha felicidade, as “pedrolas” não ditaram leis, aparecendo apenas pontualmente, servindo até de referência nalgumas situações. Vejam lá ao que cheguei. Precisar delas para me orientar.

Se em termos técnicos tudo nos pareceu mais acessível, já no que concerne ao aspecto físico, o percurso revelou-se extremamente duro, nomeadamente para quem não treina com regularidade há largas semanas. Mal entrei no mapa, ao aproveitar um estradão para o primeiro ponto, fui acometido por estranhas sensações, sentindo preocupantes dificuldades respiratórias e as pernas pesadas que nem chumbo (maleitas da altitude). Arrastei-me a muito custo até ao controlo, tropeçando continuamente nos milhares de ramos que juncavam o terreno. Pormenor desagradável, que se manteve em toda a área de floresta.

Todavia, este foi o único ponto onde perdi algum tempo, por deficiência técnica, fruto de evidente menosprezo pelo azimute, ao baixar negligentemente o mapa, pois o prisma situava-se nas cercanias de um campo de futebol – progredir até bater na linha lateral (pensei eu). Tudo correu como o previsto, com um ligeiro senão – esbarrei no recinto sim senhor, mais precisamente cem metros à frente (na outra linha de cabeceira). Tive de voltar atrás, percorrendo a curva de nível mais suja da Serra da Estrela. Chiça p`ra tanto galho!

O filme do ponto inicial teve direito a bis. Em Arcozelo acontecera a mesma cena. Fui de imediato ultrapassado, não por um, mas sim por dois colegas de escalão. Mas um não contava, pois era o “Big John”. Agora o outro é do meu campeonato…c`os diabos…não sei quando vou deixar de fazer figuras tristes.

Completamente abafado, sem conseguir correr e esmagado pela concorrência, limitei-me a arfar de desespero e tentar não cometer asneiras excessivas. Estava claro que iria ser penalizado por falta de estofo físico, se inventasse, o prejuízo seria mais considerável. Portanto - “Luís põe-te fino e segue no teu passo” - as contas far-se-iam no final.

À medida que o percurso evoluía, o cansaço aumentava, não inalava oxigénio na dose certa, a coordenação motora não era a mais indicada, que na altura em que vislumbrei o terceiro controlo (“109”), baixo os olhos para o mapa e zás…tropeço nas malditas ramagens, dando início a uma série de quedas ridículas (voltaria a estatelar-me mais duas vezes), quase batendo com os queixos na reentrância. Antes que comecem a ligar-me preocupados, fiquem descansados que não me lesionei, apenas uns arranhões e grosas de falta de jeito.

Valeu-me o acerto técnico para elevar o moral, porquanto com apenas um “fôlegozinho” no depósito, não seria suficiente para gerir as restantes pernadas de forma eficaz. Se a coisa tivesse resvalado para o torto, provavelmente teria desistido com falta de ar ou a equipa dos “perdidos” ver-se-ia na contingência de intervir.

Nem queiram imaginar os pensamentos pessimistas que me assaltaram, enquanto trepava penosamente as catorze curvas de nível, que antecediam o quinto ponto. Uns razoáveis trezentos e poucos metros, mas que a mim mais se assemelharam a um longo e estafante quilómetro. Progredir no meio daquela confusão de arbustos tombados, revelou-se uma tarefa hercúlea e de infinita paciência para o “berdadeiro”. – “Ai! `Tou que nem posso! Ar…quero ar! Uops…que me ensarilhei!”.

Por mais fáceis que as pernadas se apresentassem (e creio bem que o foram), rolei sempre sob um tremendo sacrifício e foi com alguma resignação, direi até admiração, que assisti à progressão vertiginosa do “Zé do Gerês” (em direcção ao buraco do décimo ponto), ultrapassando de forma ágil e graciosa os obstáculos (qual gamo despreocupado), que o levaria a uma concludente vitória no escalão.

Se já me sentia frustrado, por não conseguir imprimir andamentos mais céleres, ao deparar-me com a pernada de “atletismo” para o ponto 12, onde só necessitava de correr 500 metros em estradão, acabei por também me sentir impotente (e eu a vê-los passar!). A velha conversa do querer é poder, esqueçam, é treta – 7,38 de total incapacidade – quando o que eu queria mesmo eram os demolidores 3,32 do Zé, hehe! (não posso sonhar?)

Quando finalmente me encaminho para o ansiado ponto de transição (“67”), localizado junto a uma árvore isolada, no topo de uma encosta de área aberta, onde a escala do mapa passava de 7.500 para 4.000 e penetraríamos na malha urbana, o corpo pedia-me incessantemente “pé-sangue” – “por favor, não subas a correr”.

A imensa vontade de continuar a passo, contra o orgulho de um “berdadeiro”, que não querendo dar parte de fraco, ao sentir sobre si a mira dos paparazzi, bufou estoicamente ladeira acima até ao “bip” reconfortante, numa corrida lenta, mas digna de bela foto. Ironicamente a subida iniciava-se num cemitério (quase me atiraram para lá, hehe!). Uff! Sofrer é a minha sina.

Os derradeiros oito prismas, dispersos pelo centro da aldeia, não me suscitaram qualquer problema de navegação, pois se vinha a arrastar as solas pelos galhos (19º tempo), assim continuei no empedrado (18º em 24). Contudo, devo reconhecer, que estive tecnicamente irrepreensível. Compreendo que seja fraco consolo, mas é a dura realidade de um “berdadeiro orientista” de fôlego perdido.


  

Atenção! Este portal usa cookies. Ao continuar a utilizar o portal concorda com o uso de cookies. Saber mais...