A quem contar isto ninguém acredita. Não obstante a prestação menos conseguida da primeira jornada do Troféu Mondego, com o lastimável tempo a rondar a uma hora e quarenta e todo o peso do meu trágico “istorial”, ainda houve gente que na etapa seguinte, confiou o seu destino nas mãos do “espécie de orientista”.
Mal chego ao triângulo, quase morro de susto, ao ser “atacado” de rompante por uma senhora, que tinha partido uns largos minutos antes, “exigindo-me” que lhe orientasse o mapa, dado que se tinha esquecido da bússola. Mau grado o sobressalto e a rudeza da abordagem, até aqui tudo bem, não recuso ajuda seja a quem for e muito menos a uma dama (hehe).
Dei o assunto por encerrado e tratei de acelerar o passo, pois teria pela frente 14 pontos para encontrar, numa distância de 5.800 metros. Ao sair do controlo inicial, camuflado na vegetação das dunas da praia, quase esbarro com a dita concorrente. Coincidências! (pensei eu). Contudo, ao atacar o ponto seguinte, decido pelo caminho errado e uns metros à frente, ao detectar a asneira inverto a marcha e uops! Choco com a mesma senhora, que me seguia nos calcanhares. Mau! – “Ela também se enganou com certeza”. Mas comecei a desconfiar destes encontros imediatos!
Entretanto, encetei uma das progressões mais esquisitas de que me recordo. Para acedermos ao controlo quatro (900 metros), fomos obrigados a mergulhar numa área de vegetação excessivamente densa, atravessada por dois carreiros muito ténues, separados por umas dezenas de passos, que nos davam a única possibilidade de passagem. Seiscentos metros pelo coração de uma verdadeira “selva”, onde se perdia o trilho com facilidade, tantos eram os obstáculos e tão baixa a luminosidade.
O ambiente não era de todo agradável e metia algum respeito, mas não convinha matutar muito no assunto. Seguir o azimute e tentar sair daquele labirinto o mais rápido possível, seria a ideia base. Perante condições tão adversas, não me admirei que a tal concorrente continuasse no “meu pé”. Devia sentir-se mais confortável com a minha presença, não fosse o “abominável monstro da floresta” aparecer e eu com o meu “super cabedal” podê-la-ia proteger. He! He! - “Arranjei uma bela duma mascote! Era só o que me faltava! Deve ter o mesmo percurso. Muito me engano, ou vou levar com ela até ao último centímetro”.
Finalmente fez-se luz. O trajecto de “explorador africano” tinha terminado e regressávamos aos terrenos do dia anterior, em zona menos claustrofóbica e de melhor visibilidade (e a minha mascote não me perdeu o rasto). Ouvi algumas críticas relativas a esta pernada, mas francamente adorei a “aventura”, marcou pela diferença ao melhor estilo “Indiana Jones” (hehe).
Aproveitando os excelentes detalhes do relevo, deu-se início a uma série de meia dúzia de pontos técnicos. Alguns declararam-se mesmo um autêntico “quebra-cabeças”, tal o rigor demonstrado pelo traçador, ao colocá-los no centro de um rendilhado de cotas, reentrâncias e esporões. À dificuldade técnica, acrescia o desgaste nas progressões, ora em zonas de vegetação indisciplinada, ora na transposição das massacrantes dunas, quando se optava pela segurança dos caminhos.
Pontualmente ia espreitando por cima do ombro, para confirmar o inevitável – a minha mascote perseguia-me religiosamente como uma sombra. Ela não fazia a mínima ideia, que em qualquer momento, o “espécie” poderia entrar num longo período de pastorícia e a sua prova (ou a minha?) estaria irremediavelmente comprometida. A fé que ela depositava nas minhas capacidades era inabalável, atitude que desde já quero louvar.
Uma coisa devo reconhecer. A senhora não me incomodou rigorosamente nada. Após a interpelação inicial, algo turbulenta, nunca mais me dirigiu a palavra, fosse para questionar ou…colaborar (hehe). Seguiu-me sempre à vista, deixando um espaço considerável, com certeza para não me prejudicar, o que eu lhe agradeço do coração (no fundo é uma boa alma). Apesar de ela ser mais jovem, entristece-me verificar o aparente à vontade com que me acompanhou. Não tenho a certeza se é a senhora que corre bem, se fui eu que mantive o tal ritmo de “cavalo cansado” (o mais provável).
Além disso, demonstrou ser uma pessoa educada e respeitadora, pois nunca me contrariou. Se vacilava…ela hesitava…se sentia cansaço e abrandava…ela parava…se cometia alguma azelhice nas opções…ela solidariamente imitava…uma moça p`ra ninguém “botar” defeito.
Na derradeira fase da etapa, comecei a temer que iria sofrer um vexame. Os últimos quatro pontos, pressupunham deslocações por caminhos, que iriam propiciar grandes alegrias aos corredores. Ora, eu naquela altura já não tinha qualquer dúvida, que a minha “assistente” me deixaria nas covas, quando lhe desse na gana (ou quando encontrasse o mapa, que entretanto deitou fora, hehe). Para que tal não acontecesse, tentei imprimir um ritmo que a pudesse desmobilizar da ideia. Despendi um esforço suplementar, que noutras condições não o teria feito, pois o cansaço acumulado dos dois dias pesava como chumbo. Bem vistas as coisas, estas pernadas de “apanha-me se puderes”, até me beneficiou alguns segundos no tempo de prova (hehe, mais um momento de gratidão).
Continuo perplexo e frustrado com os resultados. Julgo que fiz uma segunda etapa meritória, apesar de ter contado com um amuleto(a), em contraste com a jornada de sábado (bem mais dura), onde efectuei uma quantidade de atropelos à arte de bem orientar, no entanto, esse comportamento não é espelhado em termos classificativos – funcionou tudo ao contrário. Assim, ainda me convenço que sou um tipo talhado para percursos de maior grau de exigência (hehe).
No tocante ao meu “anjo da guarda”, o que eu a aconselhava era ir a “Fátima” a pé (caso seja devota), agradecer a benesse concedida. Creio que ela não teve noção que foi bafejada pela sorte. Se eventualmente me tivesse atascado como no dia anterior, com as voltas que dei, a senhora cairia redonda, completamente zonza. Dê graças pelo “espécie de orientista” ter realizado uma prova certinha (o que raras vezes sucede), senão nem sei o “malzinho” que lhe teria acontecido. Perante análise tão minuciosa dos acontecimentos, tenho sérias dúvidas quem de facto vestiu a pele de mascote.