Novo dia, novas peripécias, mas os mesmos “sarilhos”. Tinha um pressentimento de que não estava em condições para grandes cometimentos, bem pelo contrário. Mal tenho treinado, nunca havia efectuado uma prova com semelhante distância (e já fiz mais de uma centena de percursos) e a ressaca da etapa de Veiros tinha-me atacado as “cruzes” e “artelhos”.
Mentalizei-me que esta seria a jornada do sofrimento. Não sabia eu o quanto errado estava, por defeito. Nem no pior cenário imaginei tarefa tão árdua. Sendo o penúltimo do escalão, parti com a máxima cautela, e mesmo com uma ou outra opção menos correcta, alcancei o ponto 4 sem grandes perdas. A partir daqui foi sempre a descer, quase até ao abismo (andei sempre no limbo).
O terreno fazia lembrar as bossas dos camelos, para cima, para baixo e novamente… (tipo mar encapelado). Para complicar ainda mais o assunto, a vegetação “indisciplinada” de Veiros pediu transferência para Évoramonte. Ena pá! Foi um tal arrastar de pés, que parecia ter chumbo nas sapatilhas.
A progressão para o ponto 5, com pormenores de sobra para ninguém se atascar, surtiu um efeito antagónico e deu início ao meu descalabro (complicar o fácil). Tiro um azimute como mandam as regras, mas o tracejado verde do mapa, não condizia no terreno, pois estava bem mais espigadote. Os arbustos desenvolveram-se em ritmo de tal maneira acelerado, que passei o tempo em constantes desvios de rota e a dado passo, vou desembocar num caminho bem distante e lá se foi o azimute “atinadinho”.
Despendi, de seguida, um esforço demasiado para tentar recuperar algum tempo perdido, mas em vão, porque o discernimento não foi o ideal e tomei um rumo completamente errado. Desgastei-me sem qualquer resultado. Quando percebi a asneira, apeteceu-me desistir de imediato (duas palermices para o mesmo ponto? É dose).
Ainda não tinha percorrido metade da prova (tinha 19 pontos), já levava uma penalização de largos minutos, as pernadas seguintes eram monumentais, estava claramente extenuado, para quê continuar? Sem grande motivação, controlo o 5, bebo duas minis (perdão dois copos de água) e vou arranjar uma réstia de vontade nem sei bem aonde.
Este novo alento conseguiu que me arrastasse, com maior ou menor dificuldade até ao ponto 10 (pernada de 1 km). O atraso ia acumulando, dado que a minha progressão se resumia a mexer os pés e pouco mais. Talvez por seguir quase em “ponto morto”, deixei de cometer asneiras neste período. Os pontos iam aparecendo e esse facto ia-me entusiasmando a continuar.
Nessa altura tive um assomo de orgulho de “espécie” e recomeço a dar umas corridinhas (mal sabia que queimava os últimos cartuchos). Sentia uma sede e fome insuportáveis, que me obrigavam a parar (estacionar) em todos os pontos de água.
“Realmente para se fazer uma prova com esta distância tem de se estar preparado, na próxima trago a merenda” – pensava eu com os meus botões. Já não bastava a falha clamorosa do quinto ponto e agora tinha a percepção de que o físico estava nas lonas.
Para o ponto 11 necessitei novamente de recorrer às minhas reservas anímicas, porquanto tive de trepar uma reentrância de inclinação máxima (dois passos para a frente, um à retaguarda) e de seguida andar à cata de uma “pedra camuflada”, juntamente com uma mão cheia de “exploradores”. Acho engraçado que se coloque um ponto junto a um elemento, que se encontra escondido sob uma tonelada de arbustos (devia ser parente do “139”, hehe).
Ao controlar o ponto 14, apercebo-me que vou ter de trepar novamente e fico em transe – “sigo ou paro?” Depois de uns minutos de completo atordoamento, meio cambaleante, faço mais um sacrifício para continuar, mas o terreno não ajudava nadinha, tropeçava em tudo o que havia e passei por alguns momentos de perfeita apatia (ainda me cruzei com a minha mulher, mas não me ligou “pevide”).
Meus amigos, sem qualquer sombra de dúvida, encontrava-me no limiar da falência física; se porventura caísse, não sei se teria forças para me levantar. Para colocar o cenário ainda mais negro, desoriento junto ao ponto 17. Encontro outra baliza que não me dizia respeito e peço ajuda a uma alma caridosa do Ori-Estarreja (mais uma dívida a pagar), para tentar não “morrer na praia”. O meu ponto situava-se mesmo na vizinhança, mas a fraqueza era tamanha, que a “cabeça” também já funcionava ao ritmo das pernas.
Completamente grogue (comecei a ter tonturas), respirei fundo para nova subida, num pára arranca mais lento que a VCI em hora de ponta e de repente avisto as fitas das chegadas. “Consegui! Consegui! Consegui!” apetecia-me apregoar aos quatro ventos, mas a quem interessaria esta minha odisseia?
Acreditem que não fiquei desapontado perante uma prestação menos conseguida (estou pronto para outra). Foi uma nova e enriquecedora experiência, num percurso algo longo para as minhas características (9.000 metros para a “velhice” não será uma violência?), mas que me deu uma enorme satisfação por ter conseguido superar os meus limites, físicos e anímicos, já que no aspecto técnico continuo o genuíno “espécie de orientista”. Actualmente, na orientação séria, já não há milagres.