O dia acordou cinzento e chuvoso. Desde logo me convenci, que estas condições climatéricas poderiam vir a ser, um enorme contratempo no desempenho do “espécie de orientista”. Tendo visitado há alguns anos, o Parque da Pena, tinha ficado com a ideia de que era um local deslumbrante em dias solarengos, mas com chuva, a situação complicava por falta de luminosidade e o ambiente tornar-se-ia sombrio. Traduzido, os “ceguetas” (nos quais me incluo) iriam ter trabalhos acrescidos, para descortinar no mapa todos os pormenores.
Mas a história esteve para ser outra. À última hora, os responsáveis do parque restringiram o acesso a uma quantidade de locais, que quase colocou em risco a efectivação da prova. Parece que a boa vontade e o bom senso prevaleceram, e para nosso privilégio, fomos protagonistas duma das mais marcantes provas de orientação realizadas em Portugal.
As proibições limitaram-se a evitar, que os mais distraídos pudessem causar qualquer dano às “araucárias” brasileiras ou “criptomérias”, ou abatessem uma “sequóia” centenária (das pequeninas!) ou até quem sabe uma bela “tuia” japonesa e, porque não, pisassem inadvertidamente um pezinho de jasmim do tempo da D. Maria II. Bom, o seguro morreu de velho, e para que os portões “reais” não se fechassem novamente a eventos deste género, a organização aceitou as condições e a Pena ganhou ainda mais vida, com o colorido proporcionado, pelas centenas de pacíficos “invasores” orientistas.
Eu não disse que ia ter problemas? A minha aversão ao oftalmologista ainda me vai arranjar uma “carga de trabalhos”. Se pelo menos me tivesse lembrado de trazer a lanterna…ou um capacete de mineiro (hehe). Mas não vale a pena “chorar sobre leite derramado”.
Mais uma vez o triângulo foi um ponto de encontro, onde quase toda a gente ficava em meditação. Era vê-los sair para a esquerda, voltar para seguir em frente e tornar a optar pela esquerda, ou tudo isto ao contrário. O raio do local parecia que tinha mel. Não deve ter havido ninguém, que não tenha “pastado” o seu quinhão. Claro que quando chegou a minha vez, o mistério de toda a hesitação foi desvendado. As lupas não resolviam o problema, eram mesmo necessárias as ditas lanternas ou um mapa à escala de 1/1 (hehe).
Ainda hoje, ao analisar o mapa, só a muito custo consigo vislumbrar a maldita ponte, por onde eu pretendia seguir para o ponto 1. O curioso é que o caminho também não era muito visível. O “maroto” do traçador voltou a usar uma estratégia, que deve ser enaltecida. Desta feita, conseguiu que o traço vermelho do percurso, ficasse sobreposto aos pormenores do mapa, o que desde logo dificultava a decisão a tomar. Se haviam várias hipóteses para chegar ao ponto, podem ter a certeza que tomei uma opção das menos adequadas.
O problema estava em entrar no mapa, e conseguir ter claridade suficiente para distinguir os elementos, porque quanto maior for a escala, mais informação é cartografada. A confusão estava instalada, demasiada pedra, uma quantidade enorme de caminhos (quem disse que facilitavam?), subidas por tudo quanto era opção e umas vistas muito curtas por parte do “espécie”. Se este local é fantástico para se visitar, para orientação é super espectacular!
Sete longos minutos depois, com várias inversões de marcha à mistura, lá dei conta do ponto inicial. Continuava com dificuldade em destrinçar tudo o que fosse desenhado a negro (se ainda fosse encarnado ou cor de rosa). Tive de redobrar os cuidados, para não “meter muita água” nas progressões para os pontos seguintes.
Já tudo decorria dentro da normalidade, quando na companhia de um pelotão de jovens com “cola” nos sapatos, procurava entre um “ninho” de pedras o ponto 6, apanho um susto daqueles de atirar um homem ao tapete. Ao “frinchar” o prisma, por uma nesga de rochas, desço ligeiro e quando estou a marcar…Flash! Flash! O “paparazzi” estava lá! Bem escondido no “aconchego” das pedras (o malandro nem respirava), o nosso “orientista em fase de recuperação momentaneamente a descobrir a arte da fotografia”, quase me “arremessava” pela encosta abaixo com a surpresa (no dia anterior também me tinha apanhado com “as calças na mão”, hehe).
Fiquei de tal modo ofuscado com o flash, que parto para um dos pontos seguintes (oito para nove), em azimute puro por uma zona rochosa (o que me custou!), só tendo dado conta no final da pernada, que fiz toda a progressão a três metros dum caminho paralelo (é preciso ser muito pitosga!). A penumbra da mata, mais uma vez tinha causado estragos no meu desempenho. Estes equívocos de “espécie” não matam, mas chateiam “pra caraças”. Respirei fundo, afasto a frustração com dois ou três palavrões bem puxados e arranco para outra, rezando a todos os santinhos para não voltar a ser traído pelas “vistinhas”.
A dificuldade técnica baixou um pouco, mas o “escadório” para o ponto 11, foi um martírio (ai se as vertigens me tivessem atacado). Umas dezenas de degraus que pareciam não ter fim (nem um corrimão de ajuda). No topo havia uma recompensa, mas só para a veterania. Um belo dum banco em “pedra polida”, mesmo juntinho à baliza, mas que se encontrava com taxa de ocupação a cem por cento. Três companheiros recuperavam os “bofes” e com certeza aguardavam que aparecesse mais algum para uma “sueca” (como só sei jogar ao “burro”, desandei).
A minha capacidade de desbastar mato (acreditem que não pisei nenhum feto protegido) e saltitar “levemente” de penedo em penedo, ainda foi posta à prova, mas a “descer todos os santos ajudam”. Ultrapassei o terreno dos “calhaus” e entrei numa zona mais aberta, em que a dificuldade não era escolher o melhor caminho, o grande óbice residia se havia ou não “cabedal”, para despachar a dezena de pontos em falta, o mais rápido possível. Juro que tentei, mas a velha máxima de “quem já andou, não tem para andar”, assentou-me que nem uma luva. Aquilo é que era correr, a rapaziada parecia que ia perder o comboio, mas como vim de carro…
Se esta prova tivesse sido proibida, ter-se-ia cometido um “crime” de lesa orientação e El-Rei D. Fernando Sax-Coburgo Gotha (o “criador” deste paraíso), onde quer que esteja, não teria sancionado semelhante medida. Um enorme bem-haja, aos heróis que tornaram possível, este “maravilhoso sonho”.