“É disto que o nosso povo gosta!” – exclamaria um saudoso locutor desportivo.
A denominação que a ADCabroelo adoptou para o seu Trofeu – Sentir Penafiel – bastante sugestiva por sinal, chamou-me a atenção para a hipótese de podermos estar em presença de um evento, que nos fizesse despertar sentimentos e que agradáveis sensações aflorassem à pele (qual arrepiozinho de prazer). Ou a Organização tinha expectativas muito altas, ou os participantes não iriam dar por mal empregue o seu tempo.
Senti que devia estar presente nesta prova, pois guardava boas recordações de anos anteriores e daí não ter qualquer pejo em inventar uma “ginástica” dos diabos, perante alguns compromissos familiares e de modo a não faltar ao apelo do coração. A rapaziada de Cabroelo não deixou que me arrependesse da opção que tomei.
Dois dias, um mapa novo, o de Figueira, outro nem por isso, o de Cabroelo, mas as características do terreno eram idênticas, dado que as áreas confinavam. Um tipo de terreno rico em pormenores, com alguma floresta, diversas zonas de fatídicas “pedrolas”, vários cursos de água, um bom número de caminhos, poços em quantidade apreciável e bastantes áreas abertas “forradas” com vegetação rasteira e “traiçoeira”. Rasteira que é como quem diz, da altura dos sovacos!
E sabem quem eu vim encontrar nestas paragens? Pois adivinharam, o nosso conhecido, agressivo e feroz tojo “ulex”. Só que desta feita, não me apanhou desprevenido e sempre que o avistava, tratava de sair de “fininho” do seu alcance. Não obstante esta táctica de diversão, ainda tive direito a algumas sensações desagradáveis (ai que já me picaste!), mas fui invadido por um sentimento de condescendência e relevei estas faltas de respeito do irrequieto “ulex”.
Não foi pelo mato que a prova não me correu melhor. Com tantos pormenores e alguma dificuldade na progressão, os corredores foram obrigados a travar a velocidade, o que favorece sempre os “espécies” - “devagar, devagarinho se leva a água ao moinho”. Se eles andaram menos, não sei, agora no que me toca, fartei-me de “dar à perna”, só que por vezes essa pressa é excessiva para a minha falta de atenção. Quando dou por isso já estou atascado para um ponto qualquer (é a minha sina).
Para ser sincero, no primeiro dia (3.200 mts e 17 pontos), realizei um percurso quase limpo, o que é uma sensação deveras estranha (hehe). Não fora a abordagem ao ponto 4, no decorrer da qual tive de lutar corajosamente com o “ulex” e subir uma rampa endiabrada, de acesso a uma “pedrola” altaneira, provavelmente o resultado teria sido ainda mais favorável.
Claro que também fui afectado por problemas de “trânsito”, devido ao elevado número de miúdos do Escolar (250?), que a certa altura no ponto 14 (buraco junto a um ribeiro), apanhei um grupo numeroso que andava a pastar, quando me aproximo não me “largaram mais da mão” e o sacana do buraco demorou a ser detectado (eram tantos que até o tapavam). Ao indicar-lhes o ponto (sentimento paternal e de solidariedade), fizeram tamanha algazarra que devem ter assustado a passarada (nem sei se algum não terá caído à água), hehe
Na descida final, que antecedia o 200, aproveitei a embalagem de dois jovens, que ao passarem por mim de maneira um tanto provocatória (do tipo “não empurres o cota senão ele cai”), tocaram-me no sítio errado. Como não sou de levar desaforos para casa e num acto inconsciente, “passei-me dos carretos” e decidi ir no seu encalço. Teria sido um vexame se me estatelasse ao comprido (por um triz não aconteceu, hehe), mas não os podia largar, era uma questão de orgulho do “espécie”. É verdade que aquela descida foi percorrida de forma irresponsável, para um senhor de cabelos brancos (hehe), mas a sensação de terminar lado a lado com os “meninos” foi magnífica (ainda devem estar a pensar como não conseguiram deixar o “velhinho” nas covas).
Identifiquei-me melhor com o mapa de Cabroelo (3.100 mts), que até me pareceu mais acessível, mas neste segundo dia não tive o discernimento necessário, para poder manter o nível técnico da etapa anterior. Uma incorrecta opção para o terceiro ponto, uma “pedrola” escondida no meio duma zona de vegetação densa, hipotecou desde cedo, qualquer hipótese de um bom desfecho. E a dificuldade nem esteve na pedra, foi um nítido caso de incompatibilidade: demasiado arbusto para deficiente visão (quanto mais olho menos vejo).
Ultrapassado esse momento de “cegueira”, atirei-me para os restantes catorze pontos, com vontade de corrigir o que ainda fosse possível e para isso teria de não cometer mais nenhuma asneira. Mas se o “meu forte” é o disparate, algo de anormal teria de acontecer novamente, para meu desespero.
Do ponto 11 para o 12 (pedra em zona branca), dois afloramentos rochosos, onde do topo de um se avistava o outro e com um caminho de permeio, tiro azimute mas o meu “branco” não coincidiu com o do mapa. Na minha óptica seria uma zona rochosa no meio de eucaliptos; o azimute indicava um afloramento em área aberta. Não obedeci à bússola, dirigi-me ao arvoredo à direita (30 mts no máximo) e bati “mil e trinta e quatro pedrolas”. Baliza nem vê-la!
“Ai que me vou atascar pela enésima vez nas malvadas pedrolas”- resmungava eu com um ranger de dentes. Volto ao caminho e por descargo de consciência, direcciono-me para a área aberta, e…bip (o terreno tem sempre razão, era uma armadilha, hehe), uma pedrita com dois arbustos encostados (não deixa de ser branco, mas enfim).
Em jeito de penitência, saio em linha recta para o ponto seguinte, sem o cuidado de me desviar do mato e o sempre atento “ulex” não perdoou (toma que é para aprenderes!). O curioso é que nesta pernada de “castigo” e a mais longa, acabei por efectuar o melhor tempo (hehe), mas não atenuou em nada a minha dor (da alma, que para a dos espinhos estou vacinado).
Seguia com um nó na garganta e a sensação de que uma vez mais, tinha passado ao lado dum percurso sem mácula. Sentia-me ainda bastante fresco e com uma reserva especial, para uma chegada, que eu tinha percebido, ser ao meu jeito. Pico o 200 e lá vou eu completamente desarvorado para o “finish”. Um daqueles sprints que só servem para acelerar o ritmo cardíaco, porque o resto são “peanuts”. Ainda levei com uma “boca” em tom jocoso – “guardou-se para o final, hem?” – “não corro quando quero, corro quando posso” – retorqui de sorriso amarelo. Se as pernadas mais acessíveis são as da partida ao triângulo e do 200 à chegada, qual é a novidade? Vou correr quando estou atascado? Esta malta não compreende as dificuldades dos “espécies”?
O meu sentimento era de dever comprido (passe o lugar comum). Sentia-me satisfeito com as provas realizadas, tendo ombreado com parceiros, que normalmente me deixam a léguas e ainda consegui chatear uns dinamarqueses (de barriguinhas proeminentes), que se preparavam para o mundial.
Renovo o meu lamento, pela fraca afluência de atletas federados a uma competição regional (não atingimos a centena). Alguém vai ter de dar um safanão nesta lenta agonia, porque corremos o risco de a breve trecho, não ser possível angariar apoios para iniciativas com esta dimensão.
Num momento de alguma controvérsia sobre a última prova da taça, cabe aqui um comentário à Organização, pois não podia deixar de salientar a forma como fomos recebidos e tratados pelos amigos do Cabroelo (a arte de bem fazer sentir). É de enaltecer a sua postura irrepreensível, altamente responsável, perante uma prova regional. O empenho, o envolvimento, a generosidade, a simpatia, as preocupações de índole técnica, a organização logística de que deram mostras, leva-me a crer que num futuro próximo, terão pela frente outras responsabilidades, quem sabe a nível nacional, pois bem o merecem…ou pelo menos concedam-lhes o benefício da dúvida.
Não digo isto por termos sido presenteados com um churrasco de superior qualidade (hehe), mas que estas mordomias ajudam, lá isso…