A orientação é uma modalidade basicamente individual, salvo raras excepções, em que os interesses dos clubes se sobrepõem. As atitudes um pouco egoístas são correntes, o que é compreensível, mas atendendo à sua especificidade, este desporto está também repleto de comportamentos solidários, quase altruístas.
Ninguém se deve esquecer que hoje “atasco eu”, amanhã podes “pastar tu”. Ainda existe uma minoria de atletas, que está convencida que estes episódios só acontecem aos outros e não está muito sensibilizada para prestar grandes ajudas. Padecem da chamada “síndrome da memória curta”. E não me estou a referir aos denominados “craques”, pois esses têm toda a legitimidade para não passar confiança aos “pastores”, era o que faltava!!!
Mas o que estou para aqui a dizer? Isto é o resultado de misturar os verdadeiros orientistas com as “espécies”, estamos em alta competição e os complexos de ama-seca ficam para os escalões abertos, está bem? – “Ok! Perdoem o meu delírio”.
Felizmente as coisas não se passam assim.
Em termos pessoais, o POM2007, foi uma experiência única, quer pela dificuldade técnica e física que o caracterizou, muito por força da intempérie, quer por alguns momentos que vivi, do género “para mais tarde recordar”.
A terceira etapa em Campo de Anta, na minha modesta opinião, pareceu-me a mais interessante. Conciliou, na parte inicial, uma zona de vegetação, em alguns pontos intransponível, com relevo médio, seguindo-se um terreno bem pedregoso aliado a um desnível bem mais acentuado. Com tanta exigência técnica e física, o vosso amigo suou as estopinhas, para levar a sua prova a contento, tendo ficado em determinado momento nas mãos do destino.
Desde o início, que a minha progressão no terreno foi duma dificuldade atroz, em virtude das pedras que por ali proliferavam, quase invisíveis pela vegetação, serem um constante obstáculo à minha orientação. Mas, talvez influenciado por aquela malta alta e loira, oriunda do norte da Europa, que corriam e saltavam, tal qual cabritos do monte, no meio de todo aquele emaranhado de rochas, entusiasmei-me e zás…”também quero ser como eles”. Uma coisa é o querer, outra é o poder (esta coisa da idade é uma chatice). Quanto mais corria, mais quedas dava. Passei um largo período a escorregar e cair, por tudo quanto era calhaus, que se encontravam bem camuflados por aquela imensa mancha verde.
Agora perguntam vocês: "E os pontos?" Sempre bem longe da vista do “espécie”. Ainda pensei pôr os óculos, mas depois ocorreu-me que não uso (hehe). A primeira parte da etapa foi um sufoco, pois a partir do ponto 4, tomei sempre as opções menos adequadas. Se o terreno já era difícil, transformou-se num verdadeiro “bicho de sete cabeças”.
Quando me libertei da zona florestal, pensei que estava safo, mas os problemas a sério iam começar. Controlo o ponto 13 e quando me aprestava para me orientar com a bússola, só tinha o espelho, bússola de “grilo”! Com todos aqueles trambolhões, a mola partiu-se e a parte interior saltou e puff! desapareceu (nem o Luís de Matos faria melhor).
Passei uns segundos ou minutos (sei lá!) a aquilatar as minhas hipóteses de continuar, mas se a espécie de orientista com bússola é o que se sabe, sem a “muleta” seria o desastre total. Admiro imenso todos os atletas que se orientam sem bússola e sei que são muitos (devem ter um cromossoma de pombo correio). São uns campeões!!! Mas infelizmente para mim, a bússola é imprescindível e como tal resolvi parar, para pelo menos encontrar a direcção que me levasse, sem mais contratempos até às chegadas. A paisagem que me circundava era cinzentona, sinónimo de pedras e mais pedras, e na óptica do “espécie”, o que toca a pedregulhos, são todos iguais. Depois do sacrifício que tinha feito para chegar até ali, não via como poderia terminar a prova. Estava desesperado e o desalento tinha tomado conta de mim.
Aparece-me o Zé Moutinho do GD4C, parceiro de escalão, que notando a minha aflição, tenta dar-me uma “mãozinha” (com os remorsos de me ter arranjado esta bússola ”fatela”), mas tomou uma opção, que eu para ser franco e mal agradecido (hehe), não me cheirou e deixei-me ficar para trás. Na altura estava mesmo decidido a desistir (também não tinha pedalada para o verdadeiro “trotamontes”).
Mas o azar não podia ser eterno e eis que surge outro compincha do escalão, o Carlos Coelho do CPOC, que apercebendo-se igualmente do meu dilema, - “siga-me, que eu levo-o até ao fim”. Disse isto com um tal ânimo, que só me restou obedecer. “Obrigado, mas só preciso que me passe para o próximo monte”, respondi com um resquício de orgulho. Tinha-me apercebido que depois desse ponto, os restantes (sete), apesar de técnicos, seriam mais acessíveis, mesmo sem bússola, pois estavam localizados na zona das chegadas.
Fiz das “tripas coração” para não deixar fugir o homem (faz jus ao nome) e ainda tive tempo de lhe dar uma ajuda no ponto 15, era o mínimo que podia fazer para “pagar” a boleia. Apesar de eu já estar orientado e sentir que ia conseguir terminar sem mais colaborações, o meu camarada e adversário (mas será que é?), que seguia bastante à minha frente, ainda fez questão de me indicar mais dois pontos (gesticulando de longe), para completar a sua boa acção (nem os escuteiros fariam melhor), mas já não havia necessidade.
Consegui “sobreviver”, sem mp, com um tempo miserabilíssimo, mais de duas horas, mas estes foram aspectos de menor importância. O relevante são as atitudes, que dignificam a orientação e a elevam a patamares de solidariedade e fair-play, só possíveis nesta modalidade ímpar.
Claro que esta situação marcou-me profundamente e com um tal significado, que acreditem, me sensibilizou ao ponto de, quando terminei, uma lágrima rebelde me ter aflorado ao cantinho do olho (e não foi um cisco). Espero que num futuro próximo, me apareça uma oportunidade, de poder ter um comportamento idêntico ao destes meus adversários, que sobretudo são amigos. Posso “pastorear” por aqui mais uns tempos, mas jamais esquecerei este momento.