Luta Galhofa... um ano depois

 

Há um ano, já em contexto de pandemia, demos a conhecer uma das mais antigas artes marciais portuguesas que remonta muito antes da instituição de Portugal como nação.

 

A Luta Galhofa esteve ameaçada de extinção, mas com a boa vontade e muito empenho dos seus impulsionadores, deram uma vida nova a esta forma de luta de contacto transmontana, criando também a vertente competitiva, a abertura às praticantes femininas e aos mais novos, sendo que no passado era exclusivamente para homens adultos.

 

O período de confinamento obrigatório parou quase todas as actividades desportivas e as artes marciais não foram excepção. Vamos falar com o Mestre Vitor Gomes, responsável pelo ensino da modalidade na Associação Portuguesa O Samurai em Chaves.

 

 

AMMA: Passado um ano da nossa primeira conversa sobre a Luta Galhofa, numa altura em que as actividades estavam paradas, como foi o vosso recomeço?

 

Vitor Gomes: Olá a todos. Desde já, deixa- me agradecer o vosso empenho em divulgar e informar  todas as modalidades desportivas, sem ser sempre o futebol, como acontece com  outros meios de comunicação. Infelizmente o regresso ainda não foi possível, devido a alguns contratempos.

 

AMMA: Os vossos alunos estavam mais motivados no recomeço ou ainda algo receosos e interiormente recolhidos devido ao tempo que estiveram parados e no contexto em que ainda estamos?

 

VG: A maioria dos alunos está desejosa por recomeçar mas, também receosos devido à situação em que vivemos, com algumas incógnitas devido ao vírus.

 

AMMA: Como correram as aulas e a prática da Luta Galhofa entre o levantamento do confinamento no ano passado e o novo em Janeiro deste ano?

 

VG: Desde que começou o confinamento, ainda não retomámos a atividade. Em Março de 2020 parámos, ainda tentámos organizar uma prova nacional de Luta Tradicional Portuguesa a nível nacional, com poucos atletas e sem público, todo o staff testado, mas da parte do Município de Chaves nem resposta  quando na mesma cidade foram organizados outros eventos e com pouco controle. Seria uma prova completamente segura, mas sem luz verde do Município, foi impossível realizar e ficou na gaveta. Para piorar as coisas, em Janeiro de 2021, tivemos um contratempo devido às baixas temperaturas, houve uma rotura de canos no edifício onde a Associação Portuguesa O Samurai tem a sala e ficou tudo inundado. Perdemos, quase todo o material e por esse motivo e pelo facto das artes marciais terem sido consideradas pelo governo, como uma actividade de alto risco, ainda não foi possível voltarmos à nossa atividade, a qual deveríamos ter recomeçado em Maio.

 

 

AMMA: Houve mais alunos a praticar ou devido à pandemia acabaram por ter algumas desistências?

 

VG: Creio que, devido a toda situação: estarmos parados sem treinar, a pandemia, estarmos sem sala, sem material, sem apoios, etc. é desmotivante e quando for para começar, vai haver desistências de certeza.

 

 

AMMA: Este ano houve uma nova interrupção nas actividades em geral. Vocês mestres e alunos mantiveram o contacto uns com os outros para estar alinhados com exercícios e outras práticas, mesmo sem poderem reunir-se presencialmente?

 

VG: Sim, em contacto estivemos mas, estar há mais de um ano sem treinar e alguns alunos, com vontade de ser atletas de alto rendimento isso é impossível. Um atleta meu e que foi o 1º Campeão de Luta Tradicional a ganhar o cinturão em 2019, decidiu emigrar e foi trabalhar para França e lá quase nunca pararam de treinar e tem-me dito que se não tivesse ido para França, não conseguia aguentar estar tanto tempo como nós aqui sem poder fazer o que mais gosta.

 

AMMA: Como estão as actividades nas outras escolas transmontanas das quais vocês estão mais próximos? Estão a conseguir adaptar-se a treinar com esta nova realidade da pandemia?

 

VG: Pelo que eu conheço, a maioria sim. Têm sala, equipamentos e apoios e retomaram agora em Maio, claro com muito menos alunos, mas era de esperar com esta situação. Mas estão-se a adaptar.

 

 

AMMA: Houve um incidente no espaço em que treinam, infraestrutura pertencente à Câmara Municipal de Chaves, em que resultaram danos tanto no espaço como no vosso equipamento. Sabemos que a autarquia já vos contactou nesse aspecto, o que é de louvar. Que progressos estão a ter para recuperar o espaço e o equipamento de treino?

 

VG: Sim, como já disse anteriormente, ficámos praticamente sem nada e fomos nós que contactámos, por várias vezes,a Câmara Municipal de Chaves. Enviámos vários ofícios, mas até à data nada. Pediram-nos documentação da APS e de como estamos legais, federados e com seguros, treinador credenciado, etc. Foi tudo enviado, mas nenhuma resposta até a data. Mesmo não estando a treinar, temos tudo em dia. A associação, atletas e treinador federados na FPLA e segurados, só nos falta ter as condições dignas e seguras para os meus atletas, que representam a principal preocupação para mim, poderem retomar os treinos com segurança.

 

 

AMMA: Já ponderaram abordar outras entidades públicas ou privadas para vos apoiar pelo menos no equipamento de treino?

 

VG: Sim e já foram enviados alguns ofícios mas, até à data nenhuma resposta. Também compreendemos os tempos difíceis para todos.

 

AMMA: De que forma poderão ter retorno essas mesmas entidades, em apoiar estas artes, património da nossa cultura já tão remota?

 

VG: Em publicidade e também de não deixar acabar algo que foi tão difícil ressuscitar. Uma Arte Milenar, com um valor cultural enorme mas que em Portugal não se dá o devido valor. Em 2019 já estava a dar fruto, mas veio o COVID19 que vem estragar tudo.

 

AMMA: Como estão a reagir os vossos alunos por não poderem recomeçar as aulas da mesma forma que as artes marciais de contacto em geral iniciaram?

 

VG: Mal, porque têm vontade de recomeçar e o pior é não ter perspetivas de nada, porque da parte da Câmara Municipal de Chaves não recebemos qualquer feed-back. Aliás, uma das coisas que referiram foi que a sala onde estamos é responsabilidade nossa. Como não pagamos renda, as obras são por nossa conta, como já foi por várias vezes, mas desta vez, ficar sem nada e numa sala pequena, não faz sentido em gastar lá mais dinheiro e foi pedido uma sala maior para termos outras condições e dizem que não há, quando sabemos que existem salas vazias que poderíamos reutilizar e ficar como sede e para treinos. Falta, às vezes, boa vontade.

 

 

 

AMMA: Ainda há muito por fazer para a Luta Galhofa dar o passo que vocês desejam que é o reconhecimento de Património Imaterial da Humanidade? Quais são os vossos próximos passos nesta caminhada e que maiores entraves têm tido?

 

VG: O maior entrave é à Câmara Municipal de Chaves. Eu, por várias vezes, já referi que uma associação é um conjunto de pessoas que se reúnem, neste caso para a prática do desporto e atividades culturais e recreativas e não se mistura política, nem religião, etc. Temos que ser profissionais mesmo em atividades amadoras, mas o que vejo é que, por parte da entidade municipal, misturam alhos com bugalhos. Deveriam ver que, o que estamos a fazer é algo para a comunidade, para a região e até para a nação. 

Tentaremos em breve fazer um novo documentário e a edição de um livro que, a curto/ longo prazo, será uma mais valia para que num futuro próximo seja possível que a Luta Tradicional Portuguesa seja reconhecida e considerada Património Imaterial da Humanidade.

Também é uma ambição nossa dar aulas de forma gratuita à população de Chaves na Luta Tradicional Portuguesa para manter as tradições, contudo necessitamos de um espaço maior, o que até agora ainda não conseguimos. Não perdemos a esperança e desejamos que aconteça num futuro próximo para que a população possa usufruir desta tradição.

 

Texto: Pedro MF Mestre

 

Fotos: (cedidas pelo Mestre Vitor Gomes)

 

 

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