>
Conheci-a um embrião. Sem rosto e sem corpo, ainda um ser imaginário, que desde cedo muitos desejaram e a quem já davam as boas-vindas e outros tantos denegriram, mesmo antes dela ver a luz do dia. Mas ela vingou, nasceu mesmo e viu a luz do dia em Outubro de 2004 com 317 atletas chegados à meta.
Eu não estive presente e perdi o seu nascimento. Mas no seu primeiro aniversário, pelo 2ª edição da prova, eu fui lá corrê-la e desde essa data nunca mais faltei. Poucas vezes a correr a Maratona, é verdade, mas sempre presente, a correr a Family Race, ou até a fazer a Caminhada ou ainda, por lesão extrema, simplesmente a apoiar quem corre. Sempre presente! E é com muito gosto e orgulho que fui assistindo ao seu crescimento e evolução. Talvez por a acompanhar desde os seus primeiros passos tenho por ela um carinho muito especial e é sem dúvida a Maratona do meu coração. Não que feche os olhos a alguma coisa menos boa, que sempre as vai havendo, mas atenta e crítica e é com orgulho e prazer ver a Organização ano após ano, querer melhorar, servir melhor, com uma frontalidade e responsabilidade rara, num compromisso assumido de bem servir os corredores.
E chegamos a 2018. É a 15ª edição da Maratona do Porto, prova consolidada, com muitas provas já dadas pelo caminho até aqui, com tropeços e avanços, mas hoje é inegável que ocupa meritoriamente um lugar notável conquistado no panorama da Corrida, quer nacional quer Internacional.
Extremos: de besta a bestial e de bestial a besta num ápice
Sabemos que as gentes não perdoam. O povo, o público, a sociedade. E que hoje dormes no chão de um quarto partilhado com 4 pessoas, e a tua única companhia é um cão grande que encostado a ti, te ajuda a aquecer o corpo estendido no chão porque te faltam cobertores e amanhã estás num luxuoso quarto de um qualquer hotel de 5 estrelas. Do nada ao tudo num instante. Do tudo ao nada noutro instante ainda mais veloz. É a celeridade e a efemeridade da vida, onde o imediato é que conta para a maioria, esquecendo depressa e facilmente o que não se devia esquecer: o que se construiu, a obra feita, as provas dadas, as dificuldades, as circunstâncias, o factor humano, sempre presente! Seguimos o rebanho ou paramos para pensar?
Lisboa, Sábado, 3 de Novembro de 2018, 8 horas da manhã
Enche-se um autocarro com destino à Maratona do Porto. 67 pessoas ao todo, incluindo participantes nas várias provas do evento. Transporte disponibilizado pela Organização, a Runporto, tal como tem feito nos anos anteriores. Organizo e coordeno a viagem. Bem ou mal, desde o início praticamente. E cada ano me desafio de novo. A fazer de novo. Igual ou melhor. Como posso, como sei. É sempre um desafio que muito me enriquece e gratifica.
Vamos directos à Feira da Maratona no edifício da alfândega no Porto. Aí se levantam os dorsais e kit do atleta com t-shirt e brindes de patrocinadores, e se almoça também. Pasta Party: massa com fartura, carne, queijo, fruta, gelatina, bebidas e pão. E quando, porque eu não como carne, já me preparava para ficar apenas com uma pratada de massa, surpreendentemente oferecem-me uma bolonhesa de soja! Fantástico penso! É um pormenor, claro, mas também as grandes coisas são feitas de pormenores.
Encontro com vários amigos. Sempre um prazer rever, e visita à feira, que está cada vez melhor. Muito bem composta. Um espaço agradável com vários stands de interesse para os corredores. Podia perder-me por ali, mas ala que se faz tarde. Voltar a meter toda a gente no autocarro e rumar à Rotunda da Boavista. Daqui seguimos para o hotel e por fim descanso um pouco. Sinto que a 1ª etapa da jornada está feita! Cálice de Porto na mão, degustado lentamente e estou no céu por momentos, apesar de estar apenas num 4º andar.
Recosto-me e sonho acordada que é habilidade que muito prezo em alimentar e daqui a nada são 6 da manhã de domingo e estamos já à mesa do farto pequeno almoço.
Iguarias do melhor e só penso que pena ir correr e não poder comer tudo à vontade (ainda me lembro do excesso de ovos mexidos do ano passado, que correram comigo a prova toda, 15 km também, entre o estômago e a garganta!)
O hotel tem autocarros que nos levem à partida e lá vamos nós. Mais ou menos nervosos. Eu não ia fazer nada de especial, apenas 15 Km, e de nervosa pouco tinha, o que me chateia! Bom, bom é sentir a adrenalina ao rubro nestes momentos antes dela, da prova rainha, da Maratona! Mas eu ia só fazer 15 km...um pequeno desafio, ainda assim sem a confiança de o conseguir superar. Só queria fazer os 15 km a passo de Corrida. Só queria não me ver obrigada a caminhar, a gatinhar ou a rastejar, o que poderia muito bem acontecer, tendo em conta a minha forma.
Na zona da partida deram-nos uma espécie de manta térmica, um plástico que até soube muito bem pois era cedo e estava fresco. Mas esse foi um dos erros da organização, como se verificou mais tarde, quando faltaram plásticos para os atletas que acabavam a Maratona, depois de várias horas debaixo de chuva forte e vento frio!
Reencontra-se sempre amigos nesta zona da partida, enquanto fazemos tempo e há um prazer genuíno nestes reencontros. Até podemos encontrar-nos apenas uma vez por ano, mas há uma alegria genuína nos sorrisos e nos abraços! E que estejamos lá todos para o ano novamente, é o que se deseja!
Vou para a minha zona de partida e é dado o tiro. Sei que os da Maratona vão ali à frente. Partem à nossa frente. Ouço a música e não deixo de me emocionar. Sempre! Feliz por eles, feliz por mim, por me ser permitido ali estar, mesmo só na Family Race. E para o ano...não sei. Aprendi a resguardar-me das promessas pois a vida coloca-nos muitas e variadas rasteiras, mas que gostaria de estar ali à frente, a partir para a Maratona, ai isso gostava, oh se gostava!
Mas agora não é tempo de pensar nessas coisas. Agora é tempo de concentrar-me no meu passinho o mais certo possível, acreditar que o posso manter por 15 km, assim como a respiração controlada e estável, e seguir, um pé a seguir ao outro. Alguns Maratonistas por perto. Alguns equipamentos curiosos, muitos estrangeiros e é uma alegria correr aqui. Muita gente a assistir, a animar a malta. E animamos! Rotunda do Castelo do Queijo, subir parte da Boavista, contornar o Parque da cidade, ir a Matosinhos, porto de Leixões e regresso, de novo subir e descer um pouco da Boavista e por fim ir cortar a meta, feliz e contente, no Queimódromo. Os abastecimentos estiveram bem, a animação era muita. Chip incorporado no dorsal, postos de controlo, percurso totalmente fechado ao trânsito e chegada pomposa à meta, com direito a foto, medalha e muitos mimos. Dispenso a cerveja e procuro o meu pai para seguirmos para o hotel. O tempo, já com alguma chuva durante a prova agravava-se agora. Seguimos para o hotel. Banho retemperador e segue-se almoço com amigos. Muito, muito bom! Mas...vir à Maratona do Porto e não correr a Maratona, pode ser muito bom correr a Family Race, mas... não é a mesma coisa.
Soube mais tarde pelos amigos que chegavam da Maratona, que algo tinha corrido muito mal: o guarda roupa. Que a organização disponibilizou mas que funcionou pessimamente mal, agravado pelas também péssimas condições atmosféricas. Se estivesse bom tempo, as pessoas iriam beber a sua cerveja, alongar, confraternizar no espaço que têm para isso, e não, como aconteceu e é perfeitamente compreensível, irem todos ao mesmo tempo, mal cortavam a meta, a correr buscar o seu saco na ânsia de vestirem roupa seca e saírem dali. A arrumação dos sacos também não era a melhor e além disso muitos sacos ficaram à chuva, molhando as roupas que continham. Assim, muitos atletas esperaram perto de 1 hora para recuperarem o seu saco e quando o conseguiram, tinham as suas roupas completamente encharcadas. Além disso, faltaram os ditos plásticos para se protegerem do frio. Os tais, que foram dados na partida, perfeitamente dispensáveis aí.Um cenário muito triste, com a organização desesperada por não conseguir responder e os atletas desesperados sem condições para se abrigarem e trocarem. Muito, muito mau. Perigoso até. Correr uma Maratona com chuva e vento frio e ao terminar ficar completamente desabrigado, é mau demais. Na minha opinião, os sacos de plástico, fornecidos pela organização para os atletas porem as suas coisas, como acontecia nos anos anteriores, onde o nr. de dorsal fica bem visível e os sacos uniformizados facilitava a arrumação dos mesmos e agilizava a sua entrega. Mas este ano não deram esses sacos de plástico. Cada atleta identificava o seu próprio saco com uma pequena tira onde estava mencionado o nr. de dorsal. O agravamento do tempo a juntar-se a tudo isto, levou ao caos que se viveu por ali.
Vem o director da prova, Jorge Teixeira, no dia seguinte assumir publicamente o erro grave que se cometeu, pedir desculpa e prometer que jamais se repetirá uma situação destas.
E agora? Valem de pouco as desculpas dirão alguns. Pois eu digo que o que não vale de nada é ficarmos agarrados ao que correu mal, dizermos cobras e lagartos e deixarmos de ir à Maratona do Porto. Vale a pena sim, acreditar num Homem que em 14 anos pôs de pé uma Maratona de qualidade como Portugal nunca teve, ao nível das melhores que se fazem lá por fora! Porque quem admite, assume com frontalidade e vai corrigir, só pode continuar a merecer toda a minha admiração, respeito, confiança e preferência! Porque errar é humano. Porque só não erra quem nada faz!
Por isso, por tudo o que a Maratona do Porto já provou, e por tudo o que conseguiu dar à Corrida em Portugal e no Mundo, pela frontalidade, coragem e seriedade do homem que está à frente dela, para o ano eu só posso dizer "presente" na 16ª edição, já com data marcada: 3 de Novembro de 2019.
E continua a Runporto a merecer toda a minha confiança. Parabéns pela realização da 15ª Maratona do Porto, que mesmo com o desfecho que se viu, esteve perfeitamente bem em tudo o resto! Se foi grave? Foi! Se acredito que não se vai repetir? Acredito! Pois se os atletas sofreram na pele, adivinho sem falhar muito que a Organização sofreu na pele e na alma, a falha que aconteceu e que não podia ter acontecido.
E tu, vais lá para o ano?
Ana Pereira