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XIV Trilhos de Mogadouro - Amendoeiras em flor - 20 de Março de 2016

 

Há um prato de arroz de feijão sobre a mesa. Outro, bem cheio de salada de alface que vão partilhar. Há um reconforto sentido naquele refeitório da escola, diante do calor da comida, do bem estar e felicidade do pai e da sua própria sensação de felicidade pelo presente depois do banho frio que a fez arrepiar até ao tutano.


Este presente foi decidido há poucas horas atrás, quando a 450 Km de distância se fez a mala com a roupa para depois do banho e se preparou o equipamento para a Corrida, apesar das adversidades e alguns contras desta odisseia, que sempre os há.


Mas a decisão foi tomada, esta Corrida chama-se  XIV Trilhos de Mogadouro, Amendoeiras em Flor, ela já a conhece, não a quer perder e de manhã cedo chega ao Mogadouro e está pronto para a correr.


Ela é a única da sua equipa: Runners da Frente Ribeirinha da Póvoa de Santa Iria. Em dia que a capital apregoa milhares de corredores em cima de uma ponte, ela preferiu a Montanha, mais especificamente o Mogadouro, longe da confusão e da balbúrdia da cidade e do aparato.


A entrega de dorsais é um pouco demorada apesar do número reduzido de participantes, mas não nos podemos esquecer que esta organização proporcionou também Corridas nos escalões mais jovens, uma caminhada e havia almoço oferecido para os atletas, e a pagar para os acompanhantes, e tudo isto (entregas de dorsais, aceitação de novas inscrições, venda de almoços para acompanhantes) foi feito em simultâneo, demorando mais que o desejável, com pagamentos e trocos e a falta deles. Perfeitamente compreensível.


A Corrida teve um custo de EUR 7,50. Teve o percurso uma marcação irrepreensível, 5 postos de abastecimentos (água), uma t-shirt técnica, um frasco de mel, fruta, iogurte, uma barra de cereais e ainda o referido almoço no final. Os banhos foram de água fria para a maioria. Disponibilizou também a organização o Pavilhão para quem quisesse pernoitar na véspera.


Estes atletas correm que se fartam. Pensa ela, ainda antes de começar. Conhece-lhes os rostos e o nervoso miudinho revelado em pequenos gestos de cada um, antes da partida, mostra bem que não brincam e não estão ali como ela, apenas para usufruir da Montanha. 


Mal a partida é dada, ela fica no grupo de trás juntamente com 5 ou 6 atletas. Isolados, pois todos os outros parecem desaparecer serra dentro. E desaparecem mesmo! Este pequeno grupo acaba também por oscilar posições e ela segue naturalmente com um atleta que veio a saber ser da terra que foi sua há uns anos: Margem Sul. E talvez a partir do 3º Km seguem juntos até ao final. Com naturalidade a passada era a mesma e a necessidade de caminhar ou o novo fôlego para retomar o passo de Corrida pareciam harmoniosamente sincronizados. E em amena cavaqueira, os quilómetros passam melhor e mais depressa, e assim foram vendo as placas em contagem decrescente: "Faltam 27 km", "Faltam 16 Km"...até à meta.


O percurso é muito bonito. Estradões a exigir pouca ou nenhuma técnica, tornam a prova muito "corrível" o que é comprovado pelos tempos dos atletas da frente. Bons desníveis mas quem tiver pernas e fôlego é correr por ali fora! O que não é o caso dela, claro, que segue lá atrás e acaba a prova com apenas 6 atletas atrás dela e nenhum à vista à sua frente, apesar de termos confirmado que 96 corriam à sua frente! Alguma lama, algumas pedras e vistas magníficas. A Montanha deslumbra-a sempre. Pedras e pedras majestosas e o céu ali tão perto. 

 

Mogadouro recebe muito bem. Sempre um sorriso, um apoio, uma palavra, um cuidado e uma força materializada em forma de garrafa de água que nos era estendida em cada abastecimento. Não havia neve, nem vento nem frio nem calor. Condições excelentes este ano.Correu descontraidamente ao ritmo que as pernas e o coração lhe permitiam. Depois de subir e descer, ver as amendoeiras flor e de novo subir ao ponto mais alto da Serra, a cerca de 900 m de altitude, desce para a vila mas ao entrar na calçada, de novo uma agora ligeira elevação a desafia e ela vê-se de novo obrigada a caminhar. Alguns habitantes a incentivar os últimos, e ela era dos últimos. Sempre trocas de palavras e de sorrisos e novo alento é encontrado. Depois, depois, já com a meta à vista e no plano, ela volta a correr. Corre. E reencontra o velho pai encostado ao pórtico da Meta, segurando a máquina fotográfica para registar o momento da chegada dela. Feliz momento este. Por tudo.

 

É isto a Corrida, é isto a Montanha. Que ela não consegue transcrever em palavras. Mas sente. Sente o ar frio transmontano no rosto e sabe-lhe estupendamente bem ao mesmo tempo que o suor lhe escorre pela testa, sente a terra e as pedras a resvalarem sob os ténis, a lama, o cheiro a vegetação, aqui e ali o cheiro da lenha a queimar, saída de uma ou outra chaminé de uma casa de pedra ao longe, e sente-se imensamente feliz entre o Céu e a Terra, que ela palmilha hesitante, escolhendo o piso, equilibrando-se e avançando. É o seu ambiente. É onde pertence. E está feliz.

 

Depois da meta cortada, vai tomar um banho que a surpreende frio, pois acabou qualquer coisa, a água quente não chegou para todos. Mas todos eram tão poucos... Condescende mas não lhe agrada. Condescende porque muitas provas há que se queres vai tomar banho a casa que já não é mau. Ali não. O Pavilhão tem boas condições, e os atletas até puderam lá dormir na véspera, mas a água quente é que não chegou. 

 

Depois, vamos ao almoço. Para cima de cinco estrelas! Não porque a ementa fosse "gourmet" mas por todo o cuidado, carinho e atenção posto na oferenda. Carnes grelhadas, arroz de feijão, salada, pão, fruta e bebidas à discrição sempre com uma simpatia e generosidade em gestos puros de gente simples que prima por bem receber. Ali, sentada à frente da comida fumegante, vendo o pai abastecer-se satisfeito, teve ela uns instantes de deleite divinal, de copo de vinho tinto na mão que levou aos lábios e degustou lentamente em pequenos goles, sentindo a roupa quente e seca junto à pele, o repouso das pernas e de tudo o resto, e aquilo pareceu-lhe o Céu. Momento divino de perfeita e completa felicidade, assim, aparentemente proporcionada por um prato de arroz de feijão. Por esse momento, fruto das vivências das horas que o precederam, ela voltará de novo ao Mogadouro para o ano. 


Depois, quer analisar a prova sem sentimentalismos, como se pudéssemos viver sem eles e o que lhe apraz dizer é apenas o seguinte:

 

A prova, integrada no Circuito Nacional de Montanha e organizada pela Câmara Municipal de Mogadouro em colaboração com a Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada, União de Freguesias de Mogadouro, Valverde, Vale de Porco e Vilar de Rei, Associação de Atletismo de Bragança e ainda Terras de Aventura, tem um caractér muito competitivo e não registou na meta mais que 104 participantes chegados, não deixando no entanto de tratar muito bem o atleta que não luta por um bom lugar na classificação. Deixa no entanto de prestar justiça e um serviço de igualdade no que  à participação feminina diz respeito, quando cria apenas 2 escalões para este género quando os Homens se vêem classificados divididos em 6 escalões! Uma velha questão que infelizmente ainda está longe de desaparecer, revelando uma descriminação que não devia existir. E se no meu caso, não é a grelha de prémios que me move, não deixa de ser aberrantemente injusto e discriminatório quando uma atleta de 70 anos "compete" com uma de 40. Situação a corrigir para melhorar. Apesar desta desigualdade gritante não deixam de estar de parabéns a Organização e todas as entidades envolvidas que permitiram a realização do evento.

 

Ana Pereira

http://mariasemfrionemcasa.blogspot.pt/

 

 

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