>
Por vezes parece que, por exaustão disto e daquilo, já não consigo escrever. Tal como a partir do km 16 do Trilho das Lampas parecia que não conseguia correr. Mas nós conseguimos. Muito mais que aquilo que pensamos.
O 4º Trilho das Lampas (no facebook, aqui) decorreu no passado sábado, 14 de Maio, em S.João das Lampas, com a habitual organização da Meia Maratona de S. João das Lampas - Grupo de Dinamização Desportiva, em parceria com a Sociedade Recreativa, Desportiva e Familiar de S. João das Lampas.
É uma prova conceituada, não fosse fazer parte do Campeonato Nacional de Trail Running. Traz também por isso a S.João das Lampas, freguesia saloia adorável, a nata do Trail, "atletas a sério", que ambicionam alcançar patamares na sua carreira desportiva, acessíveis a muito poucos. Depois há os outros, que até correm alguma coisa ou nada de jeito, que têm algum jeito para o Trail ou pelo contrário, como eu, são uns desajeitados de primeira, os que têm anos disto e os que se iniciam, os que ambicionam uma determinada marca e prestação e os que completamente alheios à competição, apenas desfrutam do percurso e do convívio. Mas todos eles gostam desmesuradamente daquilo. Sentem-se bem ali. A chapinhar na lama, a atravessar a praia, a subir e a descer arribas. Alcançam a meta com um gostinho de vitória, de superação, de meta alcançada alegoricamente.
S.João das Lampas e o Trail das Lampas é também para eles. E por isso "eles" nesta 4ª edição chegaram ao milhar de inscritos, atingindo o número limite. E se poderia descrever assim também algumas outras provas, as Lampas têm sempre um gostinho único e muito especial. Há nas Lampas uma vontade férrea e uma perseverança que caminham de braço dado com a experiência, a sabedoria e que acompanhadas de uma natural e encantadora simplicidade e humildade, fazem das provas ali (também a Meia Maratona de S. João das Lampas, que terá este ano a sua 40ª edição a 10 de Setembro), provas muito especiais, onde o carinho, a amizade e o gosto pela Corrida e pelo bem receber, entram também no baralho na dose certa e de braço dado com a vasta experiência e conhecimentos na matéria, conseguem proporcionar provas com o agrado geral da maioria dos participantes.
Não se julgue no entanto que pelo cariz simplista da coisa, a coisa seja simplória. Bem, pelo contrário. Encontram ali os mais competitivos e supostamente mais exigentes, todas as condições para mostrarem o que valem, da mesma forma que os que mais parecem fazer turismo às vezes também em passo de Corrida encontram ali também todas as condições para simplesmente desfrutarem dos trilhos e passarem umas horas das suas vidas, felizes e completos, a escorrer suor e sujos de lama, ora em trilhos estreitos e verdes, ora em altas arribas e praias, ora em estradões largos.
E esta edição foi mais uma prova disso. Entrega de dorsais de forma simples e eficiente. Uma t-shirt muito bonita, saco e algumas revistas compõem o kit do atleta. Ambiente festivo, com uma admirável actuação de Ricardo Paz, mesmo antes da Partida, que podem ver aqui.
Partida dada e saem os afoitos pela relva fora, serpentando, antes de enveredarem pelos Trilhos. Algum congestionamento para a malta da cauda do pelotão, onde eu me incluía. Nada preocupante, pelo menos para quem segue já naquelas posições.
As vistas, os cheiros e os sons deslumbram-me e encantam-se uma e outra vez, mesmo já conhecendo bem estes Trilhos. O verde, o constante coaxar das rãs, os ribeiros onde a água canta e onde temos de molhar os pés mais que uma vez, este céu, este mar, estes Trilhos encantam-me. A descida e a travessia da praia da Samarra. Ouves a água? A esgueirar-se entre as pedras redondas e lisas, em corrida nervosa para se juntar ao mar? Molhas os pés. Não importa! Vou devagar para tentar não cair. Olho o mar. Este ano, o Sol escondera-se muito antes da hora de se deitar e o meu andamento deste ano, faz-me sair da praia já com um ar da noite que cai. Aquela subida para sair da praia. Amo! Evito olhar lá para baixo. Mãos nos joelhos e upa, upa, upa! Respiração ofegante e pernas doridas, mãos sujas de lama por me agarrar a pedras e à vegetação. Mas que importância tem isso? Tem toda! Se assim me sinto feliz. Sei bem que vou (ainda) mais lenta do que normalmente vou, mas sinto-me tão bem e não me importo mesmo nada com o tempo.
Abastecimento fantástico já noite. Há água e detergente para lavar as mãos. E comida. Boa e suculenta! E água. E salgados e doces! E depois... Red Bul. Dá-te asas, diz o slogan. Aqui, acho que seria melhor não levarmos o slogan muito à risca! Arribas, o mar lá em baixo, uma brisa a sacudir-nos o corpo...Hum...é melhor manter os pés no chão. Red Bul dá-te asas. Ah pois dá que eu sei, mas pessoalmente é cafeína a mais e dispenso. A cafeína mantêm-nos despertos e evita a fadiga, dizem. Mas não, não evita a fadiga, evita "apenas" a sensação de fadiga e esta é um aviso que o nosso corpo nos dá, para abrandarmos. Ou não! Que somos todos crescidos e sabemos (?) o que fazemos. Sigo. Sem Red Bul. Mas com asas sim senhor! Pois se o corpo me pesa, a alma voa, oh se voa sobre aquelas arribas e aquele mar.
Há descidas e novas subidas. Devagar! A sinalização agora são apenas pequenos pontos reflectores que brilham diante da luz dos frontais e são tantos que não damos dois passos sem pisar um. Impossível perder-nos mesmo em plena escuridão e sem trilho definido pelo cimo das arribas. Uiva o vento e lá em baixo o mar. Há elementos da organização, voluntários e bombeiros, aqui e ali, a marcarem presença e a velarem por nós. "Boa noite e obrigada", faço sempre questão de os cumprimentar. Dão-nos segurança estas pessoas. Depois seguimos sós. Mas não exactamente sós. Sabemos que eles estão lá! Estou a adorar a prova. Doí-me um pouco o pé, mas esqueço a dor com facilidade diante do turbilhão de sensações e emoções vividas. É para isto que corro. É por isto que amo o Trail. Para estas Corridas dentro de mim. Degustando devagar.
E assim segui a viver este autêntico e belo idílio mais ou menos até ao Km 16. Aí...foi pior que muro na Maratona! Meus amigos, não há milagres. Faltam os treinos, faltam as forças, sobram os quilos, chiam as dores no calcanhar que parecem subir agora pela perna acima até à nádega. Não hesito em caminhar. Vou só. Há um ou outro atleta que me passa. Não importa. Quer dizer... eu importo-me mas não posso fazer melhor. Sigo como posso, alternando caminhada com alguns passos de Corrida arrastada. Agora que o terreno permite correr a bom correr, onde estão as minhas pernas?! Arrastam-se, especialmente o pé esquerdo que vem literalmente arrojado pelo chão.
Agonio-me. Caminho. Corro. E eis que lá pelo km 17 ou 18 surge a Ponte Romana! Oh como eu queria estar bem para degustar este cenário medieval! Nova subida valente toda iluminada por archotes de ambos os lados. Subo como posso, alienada pelo cenário e por momentos "esquecida" do meu penar.
Sempre os voluntários aqui e ali, a quebrarem a solidão que me aconchega, e depois eis que piso de novo asfalto, já em direcção à Meta. Esforço-me por imitar tropegamente uns passos de Corrida e assim chego à Meta com 20,200 Km percorridos e com o tempo de 3h21m. Percurso registado pelo Strava, a ver aqui.
Vale-me o meu pai, o Zé Gaspar e o Pedro Mestre, que estão na Meta! O primeiro porque me espera sempre, os outros dois porque sempre esperam por todos, a registar instantes em forma de fotografia, desde o primeiro atleta chegado até ao último. É assim a equipa da AMMA - Atletismo Magazine Modalidades Amadoras
Medalha ao peito, e afasto-me. Não quero que me vejam tão mal. "Atiro-me" para o chão, relva fria e molhada agora. Tremem-me as pernas. Não consigo comer. Nada do belo repasto que nos é oferecido para recuperação, em que destaco a sopa, chá quente, fruta e bolinhos. Agonio. Agonio. Estou feliz pelos momentos vividos, mas se quero continuar nisto tenho de me preparar um bocadinho que seja. Reconsidero. Revejo o que fiz, o que não fiz e sei bem onde está o "mal". Por nada deste mundo (quase nada, vá lá) faltaria ao Trilho das Lampas, mas Mulher, tu trata desse pé, pelo menos não continues a engordar e treina! Treina! Treina!
Se ainda assim valeu a pena? Se volto para o ano? Mas alguém duvida?! E porquê, perguntam. Venham comigo e terão a resposta!
Ana Pereira
http://mariasemfrionemcasa.blogspot.pt/