>
Hoje temos como convidado o Dr. Malta Barbosa, especialista em medicina do trabalho há mais de 30 anos, que nos vai ajudar a compreender cientificamente algumas das queixas que os atletas têm em geral devido a estar parados das suas modalidades (com os ginásios e outras infraestruturas onde praticam estarem fechadas) e também o facto de estarmos a experimentar uma nova realidade, o trabalho remoto (teletrabalho). Quem não tinha atividade física regular pode também estar a sentir algum desconforto. Vamos falar com quem sabe…
AMMA: Neste momento as atividades desportivas estão paradas e os seus atletas sentem falta delas. Quando por vezes eles são obrigados a parar a atividade por algum tempo devido a lesões ou outros motivos, alguns deles queixam-se também de uma fácil irritação e sentem alguma agitação psicológica. O que se estará a passar no corpo que afeta a mente? Estão a sentir a falta de algo que o organismo deixou de produzir?
Malta Barbosa: Apesar de ainda haver grande desconhecimento, hoje começam-se a desvendar algumas das interações entre corpo e mente, para o que muito tem contribuído o estudo das chamadas neurociências, com todo um mundo de substâncias químicas que se produzem (hormonas, neurotransmissores e outras) cujos níveis se alteram ao longo dos 365 dias do ano, das 24 horas do dia, fazendo, inclusive, com que a nossa “composição química” vá variando.
Mas, sem querer complicar demasiado a resposta, também o exercício físico leva à produção de todo um conjunto de substâncias (entre as quais a adrenalina e a noradrenalina) que interferem em todo o organismo, inclusivamente ao nível da atividade psíquica e até imunitária. Ora, a sua falta (ou a sua menor libertação) faz com que o desportista sinta essa diferença de uma forma relevante e o leve, consequentemente a tudo fazer para os repor, até a alterar o padrão “normal” dos seus comportamentos.
AMMA: Ainda com o mote “o desporto dá saúde” o que acontece a uma pessoa sedentária, sujeita a alguma ansiedade ou se sinta ligeiramente deprimida, que comece a praticar desporto e sente o aliviar desses sintomas. Há a produção de alguma “hormona da boa disposição”?
MB: Não há só uma, mas todo um conjunto de substâncias que se produzem, se libertam e que atuam a vários níveis; talvez uma das mais importantes seja a chamada “hormona da felicidade”, a serotonina.
AMMA: Para além destas substâncias e o facto do ritmo cardíaco ser superior na atividade física, há maior oxigenação no cérebro? Isso também acelera o restante metabolismo já referido?
MB: Não necessariamente, pois durante a atividade física, o fluxo de sangue desvia-se preferencialmente para o sistema musculo-esquelético, privando alguns órgãos desse fluxo, nomeadamente o aparelho digestivo (razão porque se não deve praticar desporto de “barriga cheia”). Agora, depois da atividade física, todo o organismo acaba por beneficiar dessa boa capacidade cardiorrespiratória, aí sim beneficiando de uma melhor oxigenação.
AMMA: Relativamente à nova realidade do teletrabalho, ou mesmo o confinamento sem qualquer atividade profissional ao que muitas pessoas estão sujeitas há já algum tempo, em termos da saúde em geral quais são os benefícios mais comuns que partilham consigo e também quais são as principais queixas?
MB: No que respeita ao confinamento social, para além do que atrás ficou dito em relação à atividade física, sente-se a falta de pôr em prática todo um conjunto de necessidades de partilha de informação com os outros, fundamental para o ânimo e confiança tão necessários para o nosso dia-a-dia. Não é por acaso que os seres humanos são seres sociais. Só em sociedade o Homem conseguiu superar os perigos em relação aos quais desde sempre se sentiu ameaçado. Em confinamento, é como se sentisse órfão!...
AMMA: O facto de gerir uma atividade profissional com a família em casa, por exemplo cônjuge e filhos, como as pessoas têm estado a reagir?
MB: Estão a gerir bastante mal, assistindo-se já a uma enorme vontade de regressar aos clássicos locais de trabalho, pois o “encanto” do teletrabalho começa a esvair-se, sobretudo para certo tipo de tarefas onde a partilha próxima é necessária; algo que as teleconferências não conseguem resolver.
AMMA: Que estratégias têm arranjado para superar algumas dificuldades? Aumentam o convívio familiar nas horas mortas? Voltamos aos jogos tradicionais criando um team building familiar?
MB: Julgo que as estratégias variam de acordo com aspetos próprios da personalidade de cada um, mas também com exigências socioculturais, com a idade, com múltiplos fatores.
AMMA: Em relação ao aumento de peso com este estilo de vida também tem sido uma queixa geral? O que acontece em termos emocionais a essas pessoas?
MB: Curiosamente, nem todos os “confinados” têm aumentado de peso, uma vez que passou a existir a possibilidade de poder fazer uma alimentação muito mais diversificada, mas sobretudo bastante mais fracionada.
Mas, a regra geral tem sido o aumento de peso, que se deve essencialmente à menor atividade física, ao aumento de consumo de bebidas (nomeadamente alcoólicas) e de doces (que são uma forma inconsciente de compensar carências afetivas).
AMMA: A diferença entre a postura usada num escritório e a que temos em casa, para além de provocar algumas dores musculares também pode gerar outros sinais e sintomas? O que se deve fazer para melhorar a ergonomia nas nossas casas? Há algumas ações práticas que se possa fazer e com que regularidade?
MB: Uma vez que em nossas casas se não dispõe habitualmente de mobiliário ergonómico bem adaptado a posturas mantidas, a melhor forma de combater as queixas musculo-esqueléticas (e não só) será fazendo pausas frequentes; por exemplo, parar e relaxar, em média, durante 10 minutos em cada hora de trabalho.
AMMA: Quando se regressar ao estilo de vida que tínhamos antes, tem que se reaprender a alimentação e iniciar exercício físico?
MB: Era bom que nem tudo regressasse ao “antigamente”; que se adotassem as “coisas boas” do confinamento, nomeadamente alguns hábitos alimentares (refeições mais fracionadas), maior dedicação à família (mais tempo para conviver com os filhos).
AMMA: Uma outra realidade a que assistimos foi o arranjar soluções para que as pessoas não se sentissem tão sós, integrando-as através das plataformas digitais tais como com webinars, formações grátis, entretenimento oferecido por muitos artistas, exercício físico com aulas online entre outros. Sendo isso uma boa estratégia o facto de as pessoas para além de estarem em frente ao ecrã no horário laboral, ainda estar mais horas fora desse âmbito mesmo para entretenimento é um passo mal gerido por muitos? Que consequências poderão essas pessoas sentir para além de mais cansaço psicológico e falta de concentração?
MB: As plataformas digitais não conseguem, em meu entender, compensar completamente o convívio social, pois, apesar de se fazer de forma subconsciente, para comunicar não se usam só as linguagens escrita ou verbal. Existe toda uma linguagem corporal (a expressão facial, o olhar) que se revela da maior importância para a nossa forma de comunicar.
Por outro lado, passar-se demasiado confinado, sobretudo se durante bastante tempo, acaba por ser altamente prejudicial à saúde, sobretudo pela falta de exposição solar.
AMMA: Diz-se que o Ser-Humano é um “animal de hábitos” e quando alguma coisa é introduzida ou retirara no corpo por norma ele reage logo a essa falta? Quando se voltar à atividade fora do teletrabalho e o regresso ao desporto, para aqueles que o praticam, tanto a parte física como a psicológica vão sentir novamente alterações até se adaptar? Será o percurso inverso ou há algo mais a ter em conta?
MB: Com toda a vivência em confinamento, estou convencido que, depois dessa experiência, se não voltará mais à forma anterior de trabalhar, de conviver, em suma de viver, embora vá haver alguma tendência para retornar ao passado.
AMMA: Aconselha a quem se sinta um pouco mais agitado ou que não esteja a gerir muito bem a esta fase de contenção social pelo Covid19 a fazer alguma atividade física daquelas previstas pelas autoridades como as caminhadas ou uma pequena corrida pelo quarteirão da sua zona residencial sempre cumprindo as regras de segurança?
MB: Sim, é importante manter alguma atividade física e permanecer em espaço “aberto” para que se compensem essas carências, mas mantendo sempre as regras de segurança, das quais dependem a saúde própria e a de terceiros.
AMMA: Se mesmo assim não aliviar o próximo passo é o recorrer ao médico?
MB: Sim, pode haver essa necessidade, sobretudo para apoio psicológico e, só em casos extremos então recorrer a fármacos.
AMMA: Na última abordagem convido-o a deixar algumas palavras aos nossos leitores que ache conveniente sobre o tema do equilíbrio que devem manter nesta nova realidade de trabalho à distância e da ausência da sua atividade desportiva favorita, e depois também o regresso à normalidade.
MB: Em conclusão, julgo que a melhor forma de ultrapassar esta fase a que todos fomos obrigados, será a de poder tirar dela o melhor partido, pois nem tudo é mau. Parar, refletir e alterar o que estava deveras errado e nem sequer tínhamos tempo de avaliar. Há que aprender com a situação, que não sendo salutar, a anterior, se se pensar bem, também o não era…
Muito Obrigado pela explicação que nos deu e orientações para que possamos conhecer melhor a gestão que o nosso corpo faz das atividades rotineiras, a falta delas e a perceber quando o caso é mesmo para recorrer a um médico.
Texto: Pedro MF Mestre