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Entre 10 e 15 de Julho de 2022, decorreu no Município de Aguiar da Beira o JWOC (Campeonato do Mundo de Juniores) de Orientação.
Esta prova estava inicialmente prevista para 2021 mas,como em muitas modalidades, a pandemia de Covid-19 levou ao seu adiamento.
Infelizmente na semana em que decorreu o JWOC, e devido às condições climatéricas, o Governo decidiu interditar o acesso às áreas florestais, zona de excelência para a aprática da Orientação ( O Desporto da Natureza)
Para conhecer melhor qual a solução encontrada e um pouco mais sobre o evento (que ainda terá uma segunda parte - desta vez na floresta - no início de Novembro, fomos ao encontro de Rafael Miguel, Director da Prova e figura importante da Orientação em Portugal...
Rafael Miguel nas suas palavras:
Iniciei-me na Orientação em 2006, aos 13 anos, e desde a primeira prova fiquei apaixonado pela modalidade, dedicando-me a ela de corpo e alma desde então.
Em 2008 consegui ser apurado para o meu primeiro Campeonato da Europa de Jovens, algo que aconteceu também em 2009, 2010 e 2011. Em 2013 fui convocado para o Campeonato do Mundo de Juniores e nos anos seguintes fiz algumas incursões na Selecção Sénior.
Desde cedo, talvez desde 2009, fui-me envolvendo mais na estrutura organizativa do Clube de Orientação de Estarreja, auxiliando nos eventos organizados por nós. De "músico", passei a "maestro" e em 2013 fui director de prova do Mediterranean Championships in Orienteering em Aguiar da Beira. Desde aí tenho sido o director da maioria dos eventos organizados pelo Ori-Estarreja.
Entre 2011-2015 licenciei-me em Fisioterapia pela Universidade de Aveiro, profissão que exerci até ao início de 2020.
Em 2018 mudei-me para Aguiar da Beira para auxiliar o Município a desenvolver a modalidade de Orientação em várias frentes: campos de treino para atletas estrangeiros (turismo desportivo de alto rendimento), organização de eventos (quer locais quer nacionais/internacionais), trabalhar no fomento da modalidade a nível local com treinos semanais no Agrupamento de Escolas e ainda implementação de diversos percursos permanentes de Orientação para pessoas iniciantes na modalidade.
A direcção do Junior World Orienteering Championships 2022 foi, e continua a ser, o maior desafio que já enfrentei e estou muito orgulhoso do trabalho que fizemos em Julho!
AMMA: Quando foi que surgiu a ideia de organizar um JWOC em Portugal?
Rafael Miguel: No final de 2018 surgiu a ideia de receber um evento "major" da Federação Internacional de Orientação (IOF) e o Campeonato do Mundo de Juniores pareceu-nos o mais adequado, sendo o segundo campeonato Mundial mais importante da IOF.
AMMA: E porquê a escolha de Aguiar da Beira?
RM:Aguiar da Beira tem uma mancha florestal imensa e com características singulares para a prática de Orientação. Florestas de pinheiro, enormes lajes graníticas, falésias, pedras, declive mas não em exagero...
Todos os atletas que visitam o Município são perentórios em afirmar que os terrenos aqui são excepcionais, claramente um dos melhores locais do Mundo para a prática da modalidade.
Na vertente urbana, Aguiar da Beira e algumas das suas Freguesias têm óptimas condições para a realização de provas de Sprint (em ambiente urbano), apresentando ruas e ruelas estreitas e desorganizadas que se tornam num autêntico labirinto para os atletas, que correm em alta velocidade enquanto têm de navegar nestes locais intrincados.
AMMA: Quantas pessoas integraram inicialmente o projecto?
RM: O "cérebro" da competição fui eu, enquanto director do evento, e o Bruno Nazário, enquanto director técnico. Em redor temos um grupo pequeno, mas de muita valia. Cada pessoa desse grupo, talvez umas 15 pessoas, é responsável por uma área fulcral do evento.
No total, o número de pessoas envolvido no evento foi quase de duas centenas, contando com bombeiros, GNR, funcionários do Município de Aguiar da Beira e Voluntários (atletas/simpatizantes da modalidade, maioritariamente do Ori-Estarreja, mas também de muitos outros Clubes e alguns estrangeiros).
AMMA: Quanto tempo levou a preparação de mapas, escolha de locais etc?
Se a competição tivesse decorrido conforme o planeado (Julho de 2021) teríamos dedicado 2 anos e meio a este evento. Com o adiamento para Julho 2022 (COVID) e das provas de floresta para Novembro 2022 (pelo elevado risco de incendio que impediu a realização destas etapas), no total vamos dedicar 4 anos ao evento. Muito tempo...
Com a notícia de que o acesso à floresta estava interdito, devido ao perigo de incêndio, em que momento foi decidido alterar todo o programa?
RM: Quando passaram as lágrimas... Literalmente.
Foi limpar a cara, olhar para cima e dizer: "Ok, agora o que vamos fazer para salvar a semana?" "Podemos fazer um Sprint Relay [prova urbana de estafetas mistas em Carapito] e um Knock-Out Sprint [prova urbana de eliminação, que acabou por passar a uma prova urbana de estafetas em Dornelas]!"
E assim foi, reformulamos a semana e começámos imediatamente a trabalhar nos percursos para as duas novas etapas.
Em vez de 5 etapas (1 urbana e 4 de floresta" organizamos 3, todas urbanas.
AMMA: A reprogramação foi uma demonstração do habitual "desenrascar dos portugueses"?
RM: Sim, por força das circunstâncias tivemos de demonstrar que somos os maiores a desenrascar... Não foi por vontade própria, tínhamos tudo tão bem planeado para um grande evento, mas teve de ser.
Todos os atletas e técnicos ficaram abismados com a nossa capacidade. Em três dias organizámos o primeiro Sprint Relay num JWOC e, para quem viu de fora, a sensação foi que o preparámos durante 1 ou 2 anos. Correu muito, muito bem. Tivemos uma boa transmissão televisiva, percursos de alta qualidade, uma grande emoção na arena. Foi fantástico!
Na sexta feira, em Dornelas, também montámos uma evento extraordinário. Tal não tinha sido possível sem a enorme disponibilidade de toda a gente envolvida. Muito obrigado a todos pela capacidade de adaptação!
AMMA: Qual foi a reação a nível de selecções e da IOF a estas alterações?
RM: Todos ficaram muito desiludidos com o cancelamento das etapas de floresta, como é natural.
No entanto, todos foram extremamente compreensivos, pois compreenderam que se havia alguém extremamente devastado com a situação éramos nós, que dedicamos anos a este evento.
AMMA: Com a decisão de realizar a segunda parte do JWOC em Novembro, quais as espectativas quanto a presença das diversas selecções?
RM: Todos os atletas e técnicos ficaram muito felizes com a nossa disponibilidade para organizar as etapas de floresta em Novembro.
Já recebemos muitas confirmações de presença. Naturalmente as selecção mais pequenas não vão ter verba para outra deslocação a Aguiar da Beira, mas esperamos alcançar as 250 pessoas (190 atletas e 60 técnicos). Mas ainda é cedo para dizer...
AMMA: Pelo feedback já recebido qual o balanço possível até agora?
RM:Dentro da desgraça do cancelamento das provas de floresta, o evento foi muito muito bom. O nível organizativo foi altíssimo e todos os presentes adoraram o evento, mesmo estando impedidos de correr nas nossas florestas.
AMMA: Em relação à "parte 2" o que vamos ter oportunidade de ver?
RM: As etapas de floresta vão acontecer nos dias 4, 5 e 6 de Novembro de 2022 e, tal como aconteceu em Julho, vai haver uma prova aberta a decorrer em paralelo ao evento principal. Esta prova aberta, que vai contar para a Taça de Portugal, tem por objectivo principal a atracção de espectadores. Existem escalões para pessoas sem experiência na modalidade. Não é, de todo, obrigatório ser federado para participar no JWOC TOUR 2022 part 2.
Entrevista: Carlos Viana Rodrigues
Fotos: cedidas por Rafael Miguel