Francisco Carvajal é o grande impulsionador do Flamenco em Portugal, possuindo uma carreira com quase 50 anos no mundo da arte e do espectáculo.
Oriundo do Bairro da da Prosperidad em Madrid, Francisco Carvajal, tem o ano de 1975 marcado com o início das suas actividades no mundo da cultura em Espanha, tanto no teatro, no cinema como na música.
Logo nesse ano, recebe o convite para uma acção na área da cultura pela Residencie Humanities Division Antioch College em Yellow Springs (Ohio) acerca de um trabalho feito por si sobre a maçonaria em Espanha.
Dai em frente nunca mais parou com as suas actividades.
(no Teatro Martin de Madrid de 1987 )
Destaca-se o seu trabalho na sala de concertos M&M que dirige entre 1977 e 1990, em 1977 como empresário e director artístico, recupera o Teatro Martim com cerca de 150 anos de existência e capacidade para 900 espectadores.
Já em 1987 Francisco Carvajal é distinguido pela revista cultural La Luna, como uma das 87 personagens indispensáveis na cultura da transição espanhola.
Continua com grandes realizações profissionais nesta área e em 1992 o Governo de Espanha convida-o como curador do programa da celebração do V Centenário da saída de Cristóvão Colombo de “Puerto de Palos”, nos descobrimentos espanhóis.
Tem mais atividades de curadoria em eventos de grande projecção em Espanha.
Na área da música trabalhou com artistas como John Mclaughlin, Larry Coriel, Paco de Lucia entre outros grandes nomes desta arte em vários pontos de Espanha.
(Chegada a Portugal em 2008)
No ano de 2007 radica-se em Lisboa e chega à conclusão que o Flamenco não tem muita expressão em Portugal. Para contrariar essa tendência, dá início ao Festival Flamenco de Lisboa em 2008. A partir deste evento Francisco Carvajal coordena espectáculos em Portugal, com os mais conceituados e premiados artistas desta dança sejam residentes em Espanha ou mesmo de fora dela, tais como: Pepe Habichuela, Javier Barón, Miguel Poveda, Enrique Morente, Estrela Morente, Juan Manuel Cañizares, Carmen Linares, Farruquito, Jorge Pardo, Rocio Molina, Sara Baras, Gerardo Nuñez, Miguel Vargas, Ursula Lopez, Eduardo Guerrero, entre outros. Artistas principais são mais de 50, mais de 250 artistas acompanhantes e mais de 25 artistas portugueses convidados.
Para este empreendedor cultural tem também acção em actividades, ao longo destes anos, no Instituto Cervantes com destaque à Aula “Enrique Morente. Lenguaje y Flamenco”, com as intervenções de Beatriz Carrillo, Laura Garcia Lorca, Balbino Gutierrez, Mario Pacheco, Ricardo Pachón, Faustino Nuñez, entre outros artistas.
Teve presença e acção na estreia em Portugal do documentário “La busqueda” de Fco. Sanchez Varela, com a presença da família do Maestro Paco de Lucia.
Não passa despercebida a “Masterclasse da Escuela Sevillana” no Campo Pequeno com a mestre Matilde Coral.
O empresário cultural dedicou-se também a conferências, exposições e a programação da Aula Enrique Morente já na faceta da gastronomia.
AMMA: Quando começou a sua carreira no Mundo da Arte em 1975, pensava chegar a este patamar?
Francisco Carvajal: Naquela época difícil, com 50 anos de ditadura e comprometido com uma sociedade nova e tolerante, apenas pensava em alcançar o limite do possível a cada dia.
AMMA: Abraçou o teatro, música, dança, gastronomia entre outras atividades culturais. De todos esses "filhos", qual foi mais exigente em termos de trabalho e também mais gratificante?
FC: A mais exigente foi sempre quando decidia passar a fronteira entre curador e artista. Como artista, exigia-me muito mais. Sinto gratidão pela vida por continuar a trabalhar no que gosto.
AMMA: A atividade de curadoria que lhe foi confiada foi desafiante? Qual foi a reação do público e dos artistas que presenciaram a sua arte exposta com o seu trabalho de curador?
FC: Sempre me propus à excelência em tudo o que faço. A curadoria no V Centenário, com o conflito pessoal ético, tornou-se numa contra-celebração, foi um sucesso pelas cidades que percorremos até Miami... Também foi exaustivo. Fico com a experiência de ter navegado na réplica exata da Pinta, tal como há mais de 500 anos atrás.
AMMA: Chega a Portugal em 2007 e no ano seguinte realiza o Festival Flamenco de Lisboa. O Flamenco não tinha a projeção que desejava em Portugal. Neste momento, a tendência está invertida? O público adere em massa a espetáculos de Baile Flamenco?
FC: Certamente, após 16 anos e com os artistas que vieram para Portugal, há um interesse muito maior. Como prova disso, existem promotores e instituições deste país que começaram a trazer artistas flamencos para muitos locais em Portugal, já há alguns anos.
AMMA: O que o motivou a vir para Portugal?
FC: Vim por motivos pessoais e, uma vez que comecei a conhecer este país, fui adiando o meu regresso a Espanha e aqui estou.
AMMA: Com que salas de espetáculo costuma trabalhar com mais frequência? Tanto quando tem artistas que têm cenografia no seu espetáculo, como outros em que não necessitam de todo esse espaço, ficando apenas o necessário para o Baile e o seu elenco?
FC: Estivemos nas grandes salas de Lisboa e de outras cidades. Estivemos em 2010 no Teatro Nacional de São Carlos com Enrique Morente, mas onde me sinto em casa pelo calor e respeito ao Flamenco, pelas qualidades técnicas e humanas das várias equipas, é no Casino Estoril.
AMMA: Uma questão um pouco fora do contexto, mas acho pertinente colocar-lhe. Há muitas pessoas que ainda não distinguem os vários palos (estilos de Flamenco), associando todos eles à "Dança de Sevilhanas". Ambos são da mesma região espanhola. Em traços gerais, quais são as principais diferenças entre eles, para que possamos esclarecer um pouco quem não os distingue?
FC: As sevillanas fazem parte do folclore andaluz. O Flamenco é um género antigo, que remonta ao século XV e que a partir do século XVII temos bibliografia e que era também originário de Andaluzia, com influências dos hebreus, cristãos, muçulmanos e ciganos vindos da Índia, bem como dos "cantes de ida y vuelta", que iam desde Cádiz e voltavam com a mistura de crioulos e negros das colônias americanas. Existem uma grande variedade de palos que derivam dos cantes grandes ou básicos, como os Fandangos, Tangos, Seguirillas e Soleares.
AMMA: Num espetáculo de Flamenco, temos, para além do baile e da cenografia, os músicos com guitarra, palmas e cante. A aprendizagem destas componentes é acessível? Há muitos candidatos a aprender?
FC: É uma verdadeira loucura com o Flamenco em alguns países como o Japão, França, etc. Estão surgindo grandes guitarristas e percussionistas que estudam nos seus países de origem e depois vêm para a Andaluzia para aperfeiçoar. O mesmo acontece com o baile, onde existem escolas em quase todos os países.
AMMA: O Flamenco é considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Considera que os espetáculos desses artistas fora do país foram fundamentais para obter este estatuto?
FC: Sem dúvida. Já nos anos 30 do século passado, havia grandes artistas que triunfavam em palcos de Nova Iorque, Paris, etc., como Carmen Amaya, Sabicas, La Argentinita, Antonio Gades, entre outros. Paco de Lucía, Camarón de la Isla, Enrique Morente são a geração seguinte e representaram o Flamenco no auge das músicas contemporâneas.
AMMA: Dos artistas de Flamenco que tem trazido a Portugal, vê entusiasmo na sua expressão em divulgar a arte no país vizinho?
FC: Todos os artistas que vieram e que vamos trazer estão entusiasmados apenas pelo facto de atuarem em Portugal. Todos querem vir.
AMMA: A pandemia parou o mundo do espetáculo em todas as áreas. Como é que os artistas de Flamenco, em particular aqueles com quem tem mais contacto, conseguiram voltar aos palcos ou perderam-se alguns talentos?
FC: Acredito que a paralisação causou grandes dificuldades, mas também permitiu mais tempo para o estudo e, com a resiliência adicional dos artistas flamencos, todos estão de volta com novas ideias e produções.
AMMA: O que acha que ainda falta fazer pelo Flamenco em Espanha e em Portugal? Está empenhado em implementar essas ações, pelo menos em Portugal?
FC: O Flamenco em Espanha está a ganhar cada vez mais fãs e público, o que obriga as instituições a valorizá-lo cada vez mais, como acontece com o Fado em Portugal. Quanto ao Flamenco em Portugal, temos procurado que os artistas ciganos, que são notáveis e muito importantes neste género, façam parte da paisagem cultural que propomos nesta terra.
AMMA: Em termos de escolas de Flamenco em Portugal, como estamos representados? Há uma oferta razoável e procura pelos alunos, ou ainda é necessário investir mais nesta área?
FC: Existem escolas com mais de 20 anos que continuam abertas, com magníficas professoras que fazem aulas na Andaluzia e transmitem os seus conhecimentos com rigor. Estamos a entrar numa época de crescimento de escolas de Flamenco em Portugal.
AMMA: Que desafio quer deixar aos nossos leitores?
FC: Ouçam e vejam na internet Camarón de la Isla, Paco de Lucía, Enrique Morente, Tomatito, Manolo Sanlúcar, Mayte Martin, Estrella Morente, Sara Baras, Eduardo Guerrero e estou convencido de que se apaixonarão pelo flamenco e se tornarão nossos aficionados em Portugal.
Texto: Pedro MF Mestre
Fotos: Pedro MF Mestre e do Arquivo de Francisco Carvajal
(Sara Baras - "Sombras" 10 de Maio de 2018 no Casino Estoril)
(Eduardo Guerrero - "Farol" 26 de Novembro de 2021 no Casino Estoril)
(Ballet Español de Murcia - “Pasión Flamenca” 02 de Abril de 2022 no Casino Estoril)