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Entrevistas
Personalidades
Artur Carvalho, com 45 anos de carreira no Desporto Motorizado, num "até já"



Artur Carvalho, passa a pasta de responsável das Boxes e Parque Fechado no Motor Clube do Estoril (MCE), sendo a sua última prova as “12h do Estoril” da “24h Series”, de automobilismo.
A sua carreira no desporto motorizado remonta 1976 em que teve as funções de comissário de Parque Fechado no Rally das Camélias e na Rampa da Pena em Sintra, pelo então Clube Arte e Sport. Manteve esta função até 1986.
Faz dois cursos de Navegador de Ralis em 1978 e participa no Campeonato Nacional de Iniciados em 1979, como Navegador num Fiat 127 Abarth de Grupo 2.
Como não conseguiu arranjar patrocínios para continuar, dedicou-se mais à organização das provas, sendo uma forma de estar no meio delas sem ter custos.
Ainda ligado ao Todo-o-Terreno, no início dos anos 80, foi Comissário de Segurança, com o ACP Sport no Rally de Portugal, onde controlava a passagem dos concorrentes nos troços da Serra Algarvia.
Nos final dos anos 80 e princípio de 90, participa também em provas de Todo-o-Terreno, com o Clube Aventura como Comissário de Pista em algumas Bajas 500 de Portalegre e nas 6 e 24 horas de Fronteira.
Em 1978 e 1979 entra no Autódromo Touring Clube (Estoril) como Comissário de Boxes. Nesse mesmo ano de 1979 entra na Associação de Comissários de Desportos Motorizados do Estoril (ACDME) como Comissário de Boxes e posteriormente no “Starter”, isto até 1992.
Nos anos de 1992 a 2000 no Clube Desportivo do Autódromo (CDA) com a função já por si bem conhecida como Comissário de Boxes.
Em 2000 é formado o Motor Clube do Estoril, onde é um dos seus Sócios Fundadores. (Só não consta como tal na escritura de constituição, porque estava a trabalhar e, não teve hipótese de se deslocar ao Cartório Notarial), aí tem as funções de responsável pelas Boxes e Parque Fechado.
Como muito se diz: “Sem comissários não há corridas”, esta é uma grande verdade. Na pista zelam pela segurança de quem está em pista como nas vias de serviço. Por norma usam as bandeiras de forma coordenada para sinalizar aos pilotos a postura a adoptar, se há perigo, obrigatório ir para as boxes, sinalizam se há óleo na pista, se têm um veículo a ultrapassar, entre muitas outras sinaléticas para que todos saibam o que se passa na pista e haja segurança. Em caso de acidente têm procedimentos para proteger os acidentados, como os que estão a rodar na pista. A coordenação via rádio com a torre (onde todo o controlo da prova é feito) é algo de essencial.
Nas boxes, os comissários têm o seu papel um pouco diferente dos da pista, sendo responsáveis por toda a segurança no local, coordenação de formação de grelhas e a sua segurança, assim como a permissão ou não dos pilotos entrarem na pista com a indicação do Starter (com ordens vindas da torre), coordenam o Parque Fechado, entre muitas outras coisas que vamos pedir a este coordenador para nos explicar na entrevista.
Artur Carvalho, é uma pessoa conhecida por estar sempre com os protectores auriculares pretos volumosos colocados e microfone acessível a qualquer comunicação com a torre, alguém que sabe delegar correctamente o trabalho pela sua equipa e também promove a sua coesão. É um chefe que “mete as mãos na massa” ou seja o que há para fazer, faz.
Sempre equilibrando a sua vida profissional de semana, com o desporto motorizado nos tempos livres, trabalhando na área administrativa-jurídica numa empresa de construção civil de 1978 a 1991, depois de 1991 a 2018 na área de sinistros automóveis numa seguradora. Mesmo reformado, continua as suas funções no MCE até ao presente.
Ao longo destes 45 anos no Autódromo do Estoril, passando pelos vários clubes, terminando no MCE, decide “passar a pasta”.
Vamos fazer uma retrospetiva do seu trabalho, conhecer melhor as funções dele e da sua equipa e algumas curiosidades que se passaram ao longo da sua carreira.
AMMA: Com 45 anos de histórias neste circuito, foi complicado para si decidir passar a pasta?
Artur Carvalho: Sim, foi uma decisão muito difícil. A relação entre todos os membros do MCE, é uma relação quase familiar, com todos os momentos bons e menos bons, tal como acontecem nas famílias.
AMMA: Quando teve as funções de comissário de Parque Fechado em 1976 imaginava que viria a ter esta carreira de 45 anos?
AC: Imaginava que iria ter alguns anos mas, nunca tantos como os que acabaram por ser, dado que a paixão aumentou à medida que os anos iam passando e contactava directamente com as máquinas, pilotos, directores de equipas, mecânicos e assistentes.
AMMA: A breve passagem por navegador de Rally trouxe aprendizagens para a função de comissário?
AC: Sim, ajudou-me a saber interpretar regulamentos e conhecer medidas de segurança.
AMMA: Para que todos percebam um pouco melhor a função do Comissário de Boxes numa prova, o que vocês têm como tarefas base para garantir a segurança da prova na vossa zona?
AC: Fundamentalmente, temos de estar atentos às pessoas e aos veículos que circulam no pitlane. Os desportos motorizados tem o seu perigo e, nós temos que o prevenir o mais possível. Há pessoas que circulam no pitlane, sem a mínima noção do local que estão a frequentar. Apanhamos de tudo, desde pessoas a fumar, crianças à solta, animais de estimação e a atravessar para o muro das boxes como se estivessem a atravessar o quintal lá de casa. Para além da segurança, somos responsáveis somos responsáveis pela formação das grelhas de partida em função da informação recebida do secretariado das provas e nas provas de resistência controlar os reabastecimentos e trocas de pilotos.
AMMA: Relativamente à experiência de Comissário de Pista em Todo-o-Terreno, as tarefas são muito diferentes relativamente às de um circuito?
AC: Não. São muito semelhantes, apenas apanhamos mais pó e lama.
AMMA: Teve basicamente a carreira toda em Comissário de Boxes. Houve algum motivo para não ter passado por Comissário de Pista nos circuitos, ou foi meramente casual?
AC: Sempre preferi o contacto directo com as máquinas, pilotos, directores de equipas, mecânicos, assistentes e todo o glamour envolvente, daí que nunca tive grande interesse em participar como comissário de pista. Cheguei a trabalhar como comissário de pista no Circuito de Losail no Qatar, numa das 3 provas do Mundial de Resistência onde o MCE se deslocou em 2007 e 2008. Fiz também serviço nas Boxes do circuito de Instambul/Turquia por duas vezes em MotoGP, uma vez em Xangai/R.P.China MotoGP e cinco vezes em Losail/Qatar SBK, MotoGP e Mundial de Resistência.
AMMA: Entre grandes eventos de Fórmula1, Moto GP, Campeonatos Nacionais de Motociclismo e de Automobilismo, Provas Internacionais, Eventos Privados, cada uma tinha as suas especificidades. Como é que a vossa equipa se adaptava rapidamente a cada realidade?
AC: A nível de segurança nas Boxes, é igual, o que muda são pequenos pormenores, tais como partidas lançadas na maioria de provas de automóveis e procedimentos de partida na apresentação das placas que fazem a contagem decrescente para a volta de aquecimento.
AMMA: Não questionando se gostava mais de motociclismo ou automobilismo, pergunto somente quais as provas que são mais exigentes em termos de trabalho para todos vós?
AC: Em termos de trabalho, as provas de automóveis são mais exigentes, dado que alguns pilotos, são mais desatentos, isto é, não fixam o seu lugar na grelha de partida, o que provoca problemas, uma vez que não podem fazer marcha atrás e, têm de ser empurrados para o seu lugar correcto. Quando o programa de corridas é extenso e há horários para cumprir, torna-se muito complicado, até porque temos a Direcção de Corrida a pressionar através do rádio. Nas provas de resistência, temos ainda que controlar se os reabastecimentos são feitos em segurança, viatura desligada, piloto fora do carro ou da mota, se quem procede ao reabastecimento está devidamente equipado com todo o equipamento anti-fogo e ainda controlar as mudanças de piloto.
AMMA: Que coisas engraçadas tem em memória que gostasse de partilhar?
AC: Nos anos 80 um piloto de motas fez a volta de aquecimento e, quando parou no seu lugar da grelha, caiu para o lado e, não chegámos a perceber se estava alcoolizado ou não. Outra vez, também no final de uma volta de aquecimento, tivemos um que, não se apercebendo que os da frente já estavam parados no seu lugar, entrou literalmente pela grelha adentro e derrubou alguns pilotos. Ainda nos anos 80 e salvo erro em 1984, numa prova de F1, encontrei a Princesa Stephanie do Mónaco que, na altura namorava o piloto Alain Prost da McLaren, sem qualquer tipo de passe para circular nas boxes. Pedi-lhe a identificação, tendo recusado, alegando que era a Princesa de Mónaco e que namorava o piloto Alain Prost. Cordialmente expliquei que essas circunstâncias não lhe davam direito a circular nas boxes e, que deveria obter um passe junto da equipa McLaren. Voltou a recusar pelo que não tive alternativa senão chamar os elementos da GNR que faziam segurança no Paddock, tendo os mesmos colocado a senhora no jipe e levaram-na para o exterior do circuito. Passados alguns minutos fui chamado ao Race Control a pedido do Sr. Bernie Eclestone, que mandava na F1. Fui falar com ele pensando que ia levar um raspanete, mas pelo contrário, quis-me conhecer e felicitar, por ter cumprido o meu dever sem olhar à personagem em causa. Numa assistência durante um Rallye das Camélias, constatei numa equipa que para além do reabastecimento e troca de pneus trocaram uma garrafa de whisky vazia por uma cheia. Provavelmente seria o "aditivo" necessário para enfrentarem as curvas de Sintra à noite.
AMMA: Qual a situação mais delicada porque passaram nas Boxes e como é que a vossa rápida acção minimizou o perigo?
AC: Alguns F1 e carros de Turismo que pegaram fogo ao chegar às Boxes o nos obrigou a intervir com os extintores que estão colocados espaçadamente junto à entrada das Boxes. O maior perigo que pode ocorrer nas Boxes de qualquer circuito é o fogo, e no Estoril felizmente que esses incidentes esporádicos, ocorreram no pitlane. Se acontece dentro das Boxes as consequências são imprevisíveis, dado que se trata de um espaço fechado e, há muita matéria inflamável, nomeadamente combustíveis cuja quantidade nunca sabemos qual é.
AMMA: O maior susto que teve na Grelha de Partida teve a ver com um piloto de motociclismo que tinha concluído os treinos cronometrados, foi-lhe mostrada a bandeira de xadrez por duas vezes e, a alta velocidade o ia atropelando? Nessa altura o seu reflexo rápido fez a diferença? Quando caiu em si, em que pensou?
AC: Sim, ocorreu o ano passado e, a minha formação de muitos anos em artes marciais permite-me manter os reflexos bem treinados e desviar a tempo, até porque tinha os auscultadores colocados e não ouvi a aproximação da mota. Felizmente fugi no último momento e, para o lado correcto, foi uma autêntica faena tauromática. Mentalmente, chamei-lhe tudo que se possa imaginar, menos santo.
AMMA: Ao longo destes anos todos fez muitas amizades. Há muitas reações nas redes sociais relativamente à decisão de deixar ativamente as suas funções no desporto motorizado, o que quer dizer a todos eles? Quer deixar uma mensagem geral para todos eles?
AC: Sim, quero agradecer as palavras de amizade, carinho, reconhecimento e, respeito pelo trabalho que desenvolvi ao longo destes 45 anos.
AMMA: Agora para quem quer iniciar-se no desporto motorizado, sejam pilotos, comissários ou outras funções, que estímulo lhes quer transmitir para que estas modalidades tenham continuidade?
AC: A nível de pilotos há que ter talento, objectividade e patrocínios, porque o desporto motorizado é muito caro. Os comissários, terão de ter muita paixão e resiliência. Têm de estar dispostos a levantar cedo, muitas vezes mais cedo do que para ir à escola ou trabalhar e, aguentar cerca de 12 horas, muitas vezes de pé, ao sol ao vento e à chuva e isto só se faz com muita paixão.
Texto e Fotos: Pedro MF Mestre
(Foto das credenciais e da bandeira de xadrez, fornecidas por Artur Carvalho)