Como forma de esquecer os achaques musculares, nada condizentes com a distância longa de Moscoso que se seguia, acordei carregado de uma motivação especial, pois comemorava-se o dia em que alguém, há muitos anos atrás, passou um mau bocado para colocar no mundo mais um futuro pseudo-orientista. Tentaria realizar uma prova mais equilibrada que a anterior, que funcionaria como prenda pessoal e simultaneamente homenagearia a memória materna. Ah! E havia aquele desejo feroz e ancestral, de bater tudo o que fosse “castelhano”.
Pois bem, tentar, tentei…mas não atingi nenhum dos objectivos. O melhor que consegui, foi chegar ao fim sem “mp” e “bibó belho”. E eu que até tinha uma certa expectativa, perante um percurso desenhado pelo meu traçador de longas favorito (desta vez ele traiu-me…ou não).
Percurso duro, tecnicamente exigente, num terreno de características ímpares, onde a falta de visibilidade das “pedrolas” continuou a ditar leis, associada a um desnível massacrante, que quase me atirou ao tapete.
Desde cedo comecei a vacilar nas opções, perdendo algum tempo para a pedra do primeiro ponto. Nada de significativo, se as asneiras ficassem por ali. Só que ainda faltavam quinze pontos e mais de seis quilómetros para desbravar. O meu destino estava traçado. Começar mal, acabar bem, mas pelo meio protagonizaria uma “berdadeira” tragédia barrosã em dois actos – a cena do “trilho transfigurado” (ponto 3) e a “falésia em fuga” (ponto11).
Saltitando periclitantemente de pedra em pedra, aproximei-me rápido da zona rochosa da terceira baliza (“115”), uma falésia a escassos metros duma “avenida”, pouco abaixo dum carreiro incompleto (segundo o mapa). Mal vi o caminho, parei e dei início a uma demorada e inconclusiva busca, ao longo da encosta.
Jamais me passou pela cabeça, que aquele trilho largo e que se notava a perder de vista, fosse o ténue tracejado do mapa. Se era esse o caso, então o carreiro tinha-se transformado – e não é que tinha mesmo? Idêntica confusão fizeram mais uns quantos atletas, entre eles, um conhecido internacional da elite (serve de consolo, mas quem pastou quinze minutos fui eu!).
Aborrecido pela incompetência, desgastado com o sobe e desce e desapontado por já não ser possível realizar uma prova decente, como tanto ambicionava, tentei atirar para trás das costas a contrariedade e fazer de conta que nada se tinha passado. Eu disse, tentei!
Na realidade continuei a prova normalmente, mas a vontade que sentia à partida tinha esmorecido. Fiz um esforço para me voltar a concentrar, o que julgo ter conseguido até ao décimo controlo, a avaliar pelos splits. Provavelmente não terei escolhido as melhores opções e nunca mais encontrei um andamento competitivo, de modo a superar as constantes subidas que me foram surgindo. No entanto, não andei “despassarado” à cata dos prismas, bem pelo contrário, pois foi com alguma naturalidade que os piquei.
Uma circunstância importante nesta “istória”. Como fui dos últimos a entrar em prova, atasquei-me logo a abrir e as pernas não colaboraram o necessário, passei o resto do percurso apenas na companhia dos passarinhos, das cabras que por lá passeavam (quase devoravam o ponto 6 antes de o picar, hehe!) e de um ou outro retardatário que ia passando. Navegação solitária durante treze pontos, que não fora o episódio da “falésia em fuga”, poderia ser considerada tecnicamente razoável.
A pernada para a tal falésia do ponto 11 (“124”), obrigava a trepar uma encosta de afloramento rochoso, que não sendo muito íngreme, revelou-se demasiado extensa (500 metros), o suficiente para me estafar o corpinho e os neurónios, sobretudo naquela altura dos acontecimentos (uma hora e vinte de prova).
Ao transpor o último caminho, já na zona do ponto (150 mts no máximo), o bom senso aconselhava contornar a zona pedregosa e sair mais à frente. Contudo, o cansaço tolheu-me o discernimento e tentei uma aproximação em linha recta, demasiado profissional e consequentemente, para além das minhas capacidades.
Tinha como referência principal, a estrada que serpenteava uns metros abaixo e o pormenor, de no mapa, a falésia se localizar no derradeiro detalhe rochoso da curva de nível. Embrenhei-me nuns verdes traiçoeiros, que camuflavam amontoados de pedras e quando me apercebi do erro, não tive coragem de recuar, continuando a bater falésia atrás de falésia, com a malvada a fugir-me constantemente.
– “Deve ser esta…não parece…não é a última. Olha aquela, que gira, na clareira…ohh! Também não é “. Acabei por caçá-la, mas só o Santo Padroeiro dos Orientistas e eu, sabemos a que custo (e as meninas de um ponto de água, que acompanharam grande parte da minha tenaz perseguição, hehe!).
Este atabalhoado final de progressão, desfez o moral que ainda me sobrava. Para cúmulo, deparou-se-me a maior pernada (750 mts), com uma “serra” no horizonte, não encontrando grandes opções para a evitar e o relógio a marcar 1.50 de aventura. O cenário ideal, para o pior pensamento dos orientistas me aflorar à ideia – desistência!
Acompanhado de um forte sentimento derrotista, indaguei no mapa qual a maneira mais prática de chegar à Arena. E por incrível que pareça, a análise despreocupada trouxe-me a solução para a próxima pernada, eliminando toda e qualquer hipótese de desistir. Afinal, seguir pela estrada ou continuar em prova, resultaria quase na mesma quilometragem. Decidi tentar uma opção, que pensei ser uma aberração, apenas com o intuito de chegar ao ponto, mas surpreendentemente os splits provaram, que se calhar era a mais indicada. E esta hem? Vou colocá-la, no extenso capítulo das atípicas pernadas.
Deu-me uma certa satisfação, o ter superado “in extremis”, um nefasto momento de fragilidade. Talvez me tenha lembrado, em jeito de incentivo, do regresso à competição, após prolongada ausência por doença, do amigo Joaquim Costa, que fazendo das fraquezas forças, voltou a honrar-nos com a sua presença. Um exemplo de coragem e força de vontade, para toda a comunidade orientista. Confesso que me emocionei, quando o vi subir novamente ao pódio. Portanto, se tentei fazer mais um pouco de sacrifício, que este lhe seja dedicado.
Que dizer de duas etapas com resultados desanimadores, onde apenas me portei mal (pessimamente) em três pontos? Vou tentar arranjar rapidamente uma explicação, para este fenómeno que anda a corroer o estado anímico do “berdadeiro”. – “Ai se não fosse o ponto tal”. “Que azar, só me atasquei uma vez”. “A pedrola Y é que deitou tudo a perder”. E…- ”Se o meu carro tivesse duas rodas, seria uma bicicleta”.
Mas dum facto podem ter a certeza, se apanho o lírico que inventou o “tentar não custa”, nem sei o que lhe faço. Então o inculto desconhece, que a única coisa que não custa é sonhar?