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Sete saias, sete fôlegos, sete quintas

Atenção! Façam alas, que vai desfilar um “berdadeiro” orientista, todo pavoneante e transportando um ego do tamanho de uma abóbora gigante.

E escusam de fazer essas expressões de incredulidade, pois desta vez portei-me de forma condigna e a merecer rasgados elogios. Ainda esperei algum tempo, na expectativa de alguém me dar os parabéns pelas provas realizadas, mas infelizmente sofrem todos de distracção aguda e nem repararam na minha magnífica prestação. Se fosse para criticar até faziam fila.

Assim, sou obrigado a fazer a festa, lançar os foguetes e dar uma corridinha para apanhar as canas. Um acto triste e dolorosamente real. Eu que me considero um exemplo de humildade (“rapaz tão modesto”), tenho de assumir esta ridícula figura de presumido, só porque ninguém esteve atento ao feito “istórico” do “berdadeiro”.

– “Continuas com esse discurso e o pessoal ainda julga que bateste o Albano”.

Sempre gostei da Nazaré, das apetitosas caldeiradas, dos areais sem fim, do ascensor para o Sítio de D. Fuas Roupinho, das manobras da faina e das suas gentes, sobretudo das nazarenas genuínas, quando aperaltadas com o solene traje das sete saias.

Provavelmente, esta atracção pessoal teve influência decisiva na minha prestação positiva no Troféu Ori Nazaré, evento da responsabilidade do Clube de Orientação e Aventura. Ou terá sido do receio que me assoma constantemente, de ser castigado pelo clube, caso me porte mal? Um dia destes analiso o problema, mas por agora vou desfrutar dos momentos reconfortantes por que finalmente passei.

Se vos dessem um mapa para as mãos, com a original denominação de Calhau, que raio vos passaria pela cabeça, senão pedras…muitas pedras. Pura mentira. Esta designação é uma fraude. Durante os 4.500 metros que tive de percorrer, na prova de distância média, não vi nem um calhau e muito menos aquilo a que vulgarmente se designa por “pedrola”.

Uma mata sugestiva, toneladas de areia, uma profusão de cotas e colinas, vegetação a preceito, mas nenhum representante do mundo geológico (se esquecermos a areia). Os únicos calhaus que verdadeiramente apareceram, foram aqueles com dois olhos (ou quatro) que por lá andavam a poluir a floresta, ou seja todos aqueles que demoraram mais de 47,56 a concluir a prova (uff! Safei-me à justa, hehe).

Os meus vinte e sete pontos encontravam-se espalhados num terreno com bastantes recortes técnicos, de piso arenoso revestido de caruma, que lhe conferia uma óptima consistência, alguns arbustos rasteiros para atrofiar, mas um número razoável de limites de vegetação e caminhos, para atenuar as dificuldades.

Apesar de o percurso não ter sido isento de erros (era o que faltava) é perceptível a minha satisfação pelas provas realizadas, e daí não haver nenhum episódio lamentável a relatar. No entanto, existem sempre umas ligeiras hesitações que nos vão roubando preciosos minutos, situações que para o “berdadeiro” significam pesadas penalizações, porque depois não há pernas para recuperar um segundo que seja.

É verdade que passo o tempo a “chorar” por não possuir um ritmo de corrida capaz, mas por mais paradoxal que pareça, a única falha técnica desta etapa foi fruto de uma progressão demasiado rápida para o oitavo controlo. Uma depressão (quase buraco) bem camuflada de mato, passou-me despercebida mais de três minutos. E só a encontrei porque ia caindo em cima do prisma (se fosse um bicho tinha-me ferrado, hehe).

- “Eu não digo? Que raio de prova fizeste tu para te vangloriares desta maneira?”

Se no primeiro dia, conseguimos ludibriar os meteorologistas, que prognosticavam uns chuviscos, que acabaram por chegar só ao fim da tarde depois do desmanchar da festa, na manhã seguinte parecia que o céu nos queria cair em cima. Chuva e vento em quantidades significativas, que a proximidade do mar ajudava a tornar ainda mais desagradáveis.

Perante um cenário de pré-tempestade, começámos a temer que o mapa do Sítio da Nazaré, se transformasse num local tenebroso, mas a realidade encarregou-se de demonstrar o contrário. Efectivamente, este mapa revelou-se uma agradável surpresa e o ideal para um percurso de distância longa.

Floresta de piso irrepreensivelmente limpo, baixo relevo do tipo sobe e desce, que se traduziu em desnível acumulado apreciável, caminhos para todos os gostos, uma zona dunar com vegetação complicada e umas arejadas áreas abertas, eram características soberbas para a prática da modalidade.

Se pretendia dar continuidade ao bom comportamento do dia anterior, não tinha qualquer dúvida, que a táctica se baseava num só pressuposto – correr até as pernas vergarem. Claro que nem poderia equacionar a hipótese de qualquer atascanço, isso seria uma tragédia para o “berdadeiro”. As condições eram as ideais para os parceiros vertiginosos e a mim competia-me minorar os prejuízos.

Apenas 14 balizas para controlar em 7.300 metros, não me cheirava lá muito bem, pois previa extensas e duras pernadas, facto que nem sempre consigo gerir a contento. Só que desta vez, inspirando-me nas mulheres das sete saias, funcionei como um “berdadeiro” dos sete fôlegos e fiz das tripas coração, correndo como senão houvesse amanhã.

Ultrapassei superiormente o ponto inicial em plena duna. Nem o aparecimento de duas pernadas de mais de 1.500 metros me atiraram ao tapete. Também não desmoralizei ao ser ultrapassado por companheiros que saíram depois, outros já tinha eu deixado para trás, que partiram antes. E os pontos de colocação mais rebuscada foram “chipados” à primeira abordagem – uma prova para encaixilhar!

Respondendo à “vozinha” maçadora, que em má hora herdei do “espécie” - “não, não superei o Albano, mas bati-me a mim próprio” – dado que efectuei um percurso a roçar a perfeição, sendo de longe a melhor prova que alguma vez tenha realizado. Alcancei um tempo pouco acima da uma hora, resultado impensável há uns tempos atrás e só possível porque sou um menino bem comportado, que obedece religiosamente ao seu “mister”.

No cômputo geral, consegui pontuações bem acima da minha média, que inclusive me possibilitaram contribuir pela primeira vez para a classificação colectiva do meu clube (vou accionar a cláusula contratual para usufruir do competente prémio) e colocaram este evento no galarim da curta carreira do “berdadeiro” orientista. As coisas só não tomaram proporções mais gratificantes, devido à existência duns companheiros, indubitavelmente ET`s, que não me permitem sonhar com outros voos. Daqui me curvo, com admiração e respeito, perante a sua qualidade – sou um fã incondicional daqueles malandros.

Como continuo com o ego em alta, posso afirmar convictamente, que nos domínios das senhoras das sete saias, senti-me verdadeiramente como se passeasse nas minhas sete quintas. 

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sexta-feira, 21 de março de 2025 – 00:43:52

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